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Deixar-se levar sem método pelo que vem da TV, do jornal, do
trabalho ou da internet causa de frustração a morte de neurônios
Informação demais e mal-administrada faz
mal
Marcelo Barabani/Folha Imagem
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Jamilton Camilo, que reclama não
apenas da quantidade de informações, mas da qualidade
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ANTONIO
ARRUDA DA REPORTAGEM LOCAL
O cérebro humano possui mais de 100 bilhões de neurônios. Cada um deles
envia sinais para outros 20 mil e recebe sinais de outros 20 mil
neurônios. Essa intrincada rede, que capacita o cérebro a receber,
assimilar e registrar informações, tem sofrido abalos. O motivo: o homem
moderno está cada vez mais exposto a um volume imensurável de informações,
que chega a todo instante, de forma veloz e pelos mais diversos meios, o
que costuma provocar muita ansiedade. As pessoas tentam buscar e absorver
o máximo de informação no menor tempo possível, mas, em geral, não
conseguem organizar de forma adequada a aquisição desse excesso de
informação. O resultado é sentimento de frustração, desgaste mental,
fadiga dos neurônios e, em casos mais sérios, um quadro de estresse com
consequências para o organismo. Segundo especialistas, o maior desafio do
homem moderno é conseguir lidar com a avalanche de bits, números, frases,
gráficos, sons, tabelas, imagens e afins presentes na vida a todo momento.
"Se a pessoa não se organizar na hora de buscar e apreender as
informações, priorizando as que são relevantes e descartando as que não
são, esse processo vai ser caótico", diz o professor de neurofisiologia da
Universidade de São Paulo Gilberto Xavier. É muito fácil hoje se tornar
vítima da chamada ansiedade de informação, termo criado pelo
norte-americano Richard Saul Wurman, autor de "Ansiedade de Informação" e
cujo segundo livro sobre o assunto está previsto para chegar ao Brasil no
mês que vem, pela Cultura Editores Associados. "As pessoas ficam
angustiadas porque querem saber tudo ao mesmo tempo, o que é
fisiologicamente impossível", diz Ana Maria Maaz Alvarez, fonoaudióloga
especializada em memória e déficit de atenção.
Atenção tem
limite A atenção do ser humano é limitada e focalizada, ou seja, é
impossível ter concentração em dois pontos ao mesmo tempo. O mais
angustiante disso é que, se a capacidade de retenção não é multifatorial,
a de percepção é. Ou seja, as pessoas identificam os diferentes e
simultâneos estímulos externos (os chamados "elementos distratores", que
distraem), como conversas paralelas ou o som da televisão, mas não
conseguem assimilá-los e, ao mesmo tempo, manterem a atenção no que
estavam fazendo. A pessoa pode até ter a ilusão de que está registrando
as informações vindas de duas fontes, "mas ela logo vai esquecer uma
delas, se não esquecer as duas", diz a neurocientista Suzana
Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E mais:
atenção ineficiente pode significar, no futuro, dificuldade de
memorização. Quando a pessoa busca na memória uma determinada informação,
o seu cérebro tenta "imitar" o circuito estruturado durante o recebimento
e o registro dessa informação. Se houve confusão durante a formação desse
circuito, na hora de resgatar a informação uma confusão semelhante vai
ocorrer.
"Eu fico bastante ansioso para tentar ir atrás de
tudo, ficar atualizado. Mas não é fácil lidar com o volume e a velocidade
das informações. E muitas vezes as notícias vêm incompletas ou erradas.
Então, além de tudo, você tem de desconfiar da informação" Jamilton Camilo 45, gerente de
telecomunicações
"Fico o dia inteiro ligada no que
acontece. Sou completamente viciada nos sites que trazem as últimas
notícias. Olho mais de 30 vezes por dia! E aproveito para monitorar os
amigos e a família; se descubro que houve um acidente num local por onde
sei que alguém vai passar, ligo avisando. Isso domina a gente, essa
necessidade de saber tudo todo o tempo" Eliza Levy
45, pedagoga
"Não dá para querer saber tudo ao mesmo
tempo. A gente até tenta, mas várias vezes vem o esquecimento. Quantas
vezes, no final do dia, eu me pergunto: "O que eu fiz hoje
mesmo'?" Josiane Candido Penha, 25, analista
de crédito
"Olha, eu procuro ficar distante dessa
batelada de informação. Acompanho o noticiário pela TV e pelos jornais e,
para mim, basta. Internet, nem pensar, acho desgastante" Manoel Costa Pinto, 56,
comerciante
"Nossa percepção do mundo é simultânea, mas
nossa ação no mundo é sequencial; se eu não estabelecer prioridades, com
certeza vou me sobrecarregar além da conta", diz Alvarez. Deixar-se
levar pela avalanche de informações é uma das fontes de danos ao cérebro.
Mas não a única. Não concluir as tarefas começadas pode ser até pior.
Segundo Xavier, "isso é o caos!". Quando uma pessoa interrompe uma
tarefa, automaticamente inibe os circuitos cerebrais que estavam sendo
formados para que a informação fosse decodificada, explica Xavier. Ao
iniciar outra atividade, o cérebro vai ter de formar um novo circuito.
"Esse vai-e-vem, que é muito desgastante, pode causar lapsos de memória",
diz Renato Sabattini, neurocientista da Unicamp. Porém, às vezes, uma
atividade não é interrompida voluntariamente, mas por causa do telefone
que toca, de alguém que aparece falando, do rádio que "chama" a notícia.
"Daí, alia-se à interrupção dos circuitos cerebrais o fator irritação, o
que potencializa o desgaste", diz o neurologista Paulo Bertolucci, da
Unifesp. Aliás, já se sabe que os neurônios são suscetíveis à fadiga.
"Não se sabe como eles ficam cansados e o que especificamente causa essa
fadiga neuronial, mas um indício disso é a sonolência", explica a
neurocientista Herculano-Housel. Outra consequência possível: a
expansão excessiva e permanente da árvore dendrítica (região dos neurônios
que estabelece quantas conexões a pessoa consegue realizar). Essa
estrutura é flexível, mas diante da quantidade e da velocidade de
informações de hoje em dia, se a pessoa não se organizar bem, pode
sobrecarregar essa estrutura. Daí, segundo Xavier, pode acontecer uma
liberação de cortecosterona -hormônio que mata alguns neurônios- associada
a um quadro de estresse. "Por isso quem trabalha na Bolsa de Valores e
operadores de vôo têm de se aposentar mais cedo." Essas reações podem
gerar de uma simples irritação a um quadro que envolve prejuízos ao
organismo, como falta de sono, distúrbios de alimentação e dores
musculares, entre outros, segundo o neurologista da Unifesp Luiz Celso
Vilanova. Para evitar chegar a esse ponto, é preciso, como diz a
psicóloga e educadora Ruth Roman, "estabelecer uma rotina de modo a
arquitetar bem as informações recebidas e usar o bom
senso".
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de que o corpo está sendo prejudicado Índice
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