É possível que a etapa mais importante da história humana tenha sido a "invenção" das cidades. Foi o ponto de partida para o desenvolvimento das primeiras civilizações (palavra que vem do latim, "civitas", mesma raiz de cidade), da escrita, dos sistemas de comércio, do dinheiro, da estratificação e hierarquias sociais (clero, nobreza, povo, etc.), da religião e da educação organizada, da agricultura sistemática, e de muitas outras coisas mais.
Até recentemente, os historiadores e arqueologistas situavam a origem das primeiras cidades na Mesopotâmia (espaço situado entre os rios Tigre e Eufrates, que ficam no atual Iraque), e que foram construídas pela etnia dos caldeus, cerca de 5.000 a 6.000 anos atrás. As cidades mais famosas foram Ur e Urak, e entre 1920 e 1940 suas excavações demonstraram a enorme riqueza da civilização que ali viveu. No seu auge, e, 2.500 a.C., Ur tinha 40 mil habitantes, o que era uma megalópole para a época. Um famoso arqueologista americano, C. Leonard Woolley, descobriu tesouros magníficos da realeza de Ur, e as evidências da pujança do comércio internacional, do sistema de registro comercial, baseado na escrita cuneiforme, etc.
Na realidade, não deve ter existido uma transição tão abrupta entre as aldeias comuns de povos seminômades ou sedentários, e as cidades, que denotavam elevado grau de organização social, planejamento, complexidade da economia e da estrutura do poder. Como ocorreu nas civilizações mesoamericanas, como nas transições tolteca/maia/azteca, muito bem documentadas, a coisa foi mais gradual.
Nesta semana, uma descoberta arqueológica espetacular na Turquia, numa colina situada em um local chamado Tell Hamoukar, todos os conceitos anteriores sobre a origem das cidades no Oriente sofreram um forte golpe. Nesse local, os pesquisadores descobriram os restos de uma cidade que possivelmente já existia há 6.000 anos atrás, entre 4.000 e 4.500 a.C. Embora as excavações tenham apenas começado ("tell", no idioma local, é a palavra usada para um monte formado pelo depósito sucessivo de camadas e camadas de antigas cidades, ao longo dos séculos. Atualmente o "tell" é desabitado, mas a cidade mais antiga foi encontrada na camada inferior), elas já indicam que não se tratava de uma simples aldeia, mas de uma cidade mais complexa, denotando uma organização social inferior à dos caldeus de Ur, mas mesmo assim superior à das aldeias. Por exemplo, foram achados selos de argila com símbolos de peixes, aves e produtos agrícolas, que provavelmente eram usados para contabilizar e registrar a produção e o comércio, e que foram seguramente os antecessores da escrita e da matemática. Foram achados t
achado interessante em Ur foi uma grossa camada de barro recobrindo parte da cidade, cerca de 1500 a.C. Na época, a descoberta causou grande comoção, pois Woolley declarou que essa era uma evidência do dilúvio universal de que fala a Bíblia, ainda mais que se sabe que Abrahão nasceu em Ur. Mais tarde isso foi desmentido. Por enquanto nada do gênero foi achado na nova cidade descoberta, mas se for, isso reforça a hipótese de muitos historiadores de que o grande dilúvio existiu mesmo, e de que deve ter sido uma inundação gigantesca abrangendo desde a Turquia até o Iraque, possivelmente pelo rompimento de uma barreira geográfica entre os atuais Mar Mediterrâneo e Mar Negro.
Não deixa de ser interessante que todos os seres humanos tenham se originado de uma área extremamente restrita, geograficamente, na atual Etiópia, e de que todas as cidades tenham se originado em outra região baatante restrita. Isso tem muito a dizer sobre a capacidade de expansão e diversificação do Homo sapiens.
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 26/5//2000.
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