As constantes são muito procuradas pelos cientistas, pois elas nos fornecem as bases das leis que regem o comportamento da matéria e da energia. Os cientistas gostam de pensar que o Universo, em sua essência, é simples, e que sua missão na vida é descobrir onde reside essa simplicidade. Eles procuram seguir um princípio do conhecimento denominado de “Lâmina de Occam” (ou de Ockham, na grafia inglesa), que afirma mais ou menos o seguinte: “Quando existem duas explicações para um fenômeno natural, a mais simples deve ser a verdadeira”. O conceito foi proposto por William Occam, filósofo e teólogo franciscano, nascido em 1285, na Inglaterra. Na verdade, a “lei da parsimônia”, como é chamada, foi expressada por seu criador com a frase “entidades não devem ser multiplicadas sem necessidade” (“pluralitas non est ponenda sine necessitate”). Copérnico e Galileu, por exemplo, usaram a lâmina de Occam para propor que era a Terra que girava em torno do Sol, e não o contrário. Embora a teoria anterior (de Ptolomeu) conseguisse explicar razoavelmente bem todos os movimentos celestes observados, ela era desnecessariamente complexa (e também deixava de explicar algumas coisas, mas o Ptolomeu não sabia disso). Portanto, uma teoria imensamente mais simples, a heliocêntrica, devia ser preferida pela astronomia.
Esse princípio, que é unicamente filosófico, e não natural, não deixa de ser polêmico. Quem pode afirmar que o mecanismo mais simples é que é o verdadeiro? Felizmente a ciência não se baseia apenas em filosofia, mas também em observação objetiva e experimentação, usando as leis da lógica. Portanto, a explicação mais simples, na realidade, não é adotada apenas porque é a mais simples, mas sim porque é a que explica parsimoniosamente todos os fatos observados até aquele momento (uma espécie de "denominador comum").
Tudo isso me veio à mente devido a uma importante descoberta científica que foi anunciada esta semana, de que existe uma probabilidade de que a velocidade da luz, a mais sagrada de todas as constantes da física (e que embasa toda a Teoria da Relatividade de Einstein), talvez não tenha sido sempre a mesma ao longo da evolução do Universo, ou seja, trata-se de uma constante inconstante!
Cientistas australianos descobriram este inquietante indício ao analisar a luz transmitida por um quasar (um objeto quase-estelar, que, como o nome indica, ninguem sabe do que se trata. É como um farol gigantesco de luz, que emite até 10 trilhões de vezes mais radiação do que o nosso sol). Ao passar por nuvens interestelares de gás (que ficam entre as estrelas) compostas de átomos pesados, como alumínio, silício, etc., a luz interage com a matéria e pode ser observada na Terra pelos telescópios como tendo sofrido uma alteração em sua cor. É por isso, por exemplo, que a luz do sol é mais vermelha ou amarela do que a luz do meio dia: a luz quase branca irradiada pelo sol é absorvida pelas nuvens e camadas de poeira na atmosfera, e chega aos nossos olhos com uma composição de freqüências diferente da origem.
O quasar observado pelos cientistas neste experimento está a 14 bilhões de anos-luz da Terra, portanto foi formado praticamente logo após o nascimento do Universo. As nuvens interestelares analisadas estão entre 3 a 12 bilhões de anos-luz. O resultado trouxe uma enorme surpresa: ao contrário do que prevê as teorias atuais da física, o espectro (cores) da luz que emergia de cada nuvem era diferente conforme a sua distância da Terra. Ou, em outras palavras, de sua idade cronológica, pois quando mais distantes, mais antigas são as nuvens. Uma das únicas explicações para isso é que a velocidade da luz mudaria com a idade do Universo, ou seja, ela não é uma grandeza constante como imaginávamos.
Se isso for verdade, as conseqüências para a Física serão imensas. Significa, por exemplo, que as distâncias entre as estrelas (que são medidas a partir de sua luminosidade) podem ser muito diferentes das que achamos que sejam, e que as próprias dimensões e a idade do Universo conhecido terão que ser revistas! O mais grave é que, no momento, não existe nenhuma teoria para explicar como e porque a velocidade da luz varia com a idade do Universo.
Outra possibilidade de explicação lógica é que a estrutura fina dos átomos (em dimensões bilhões de vezes menores do que o seu diâmetro) pode variar com a idade do Universo. Existem teorias novas na Física que tentam explicar esse fenômeno, denominadas de teorias de super-cordas (“super-strings theories”). Entre as coisas malucas que elas propõem, a mais polêmica é de que o espaço teria entre 10 a 26 dimensões, alem daquelas três espaciais, que já conhecemos, mais a dimensão do tempo. Isso é muito complicado para explicar para o leitor leigo, sem usar matemática, mas prometo tentar em um próximo artigo. A teoria das super-cordas pode ser o Santo Graal da Física, ou seja o cálice sagrado que vai explicar todas as outras teorias sobre matéria e energia, unificando-as em nível sub-atômico. Veremos.
Publicado
em: Jornal Correio Popular, Campinas, 17/8/2001 .
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