No entanto, do ponto de vista da ciência astronômica, esse evento não é tão pioneiro nem sensacional assim. Na década dos 70, diversas naves não tripuladas exploraram Marte de todos os pontos de vista, inclusive descendo até a superfície do planeta (missão Viking), e realizando um grande número de experimentos científicos com o solo e as pedras do nosso vizinho vermelho. Esses experimentos, alíás, não chegaram a ser inteiramente conclusivos sobre a existência da vida em Marte, pois várias reações químicas mostraram liberação de gás carbônico e de oxigênio, o que era esperado caso houvesse microorganismos nas amostras de solo. No entanto, nenhum material orgânico (pelo menos com características da vida que existe na Terra) foi descoberto. Novidade mesmo seria uma nave que decolasse de Marte e trouxesse algumas amostras de lá para cá.
O
que há de novo na missão do Mars Pathfinder que excitou
tanto a imaginação dos terráqueos ? Acho que foram
três coisas: primeiro, a proximidade da "descoberta" de supostos
microorganismos fossilizados em um meteorito provindo de Marte. Estrategicamente,
a esperta NASA fez o anúncio pouco antes da espetacular missão
não tripulada à Marte. A maioria dos especialistas em exobiologia
não acreditou nas evidências propostas pelos cientistas da
NASA, mas o alarde já estava feito. Embora a missão primária
do Pathfinder não seja achar vida em Marte, isso ajudou a chamar
a atenção do público.
Em segundo lugar, existe o robô de exploração. Embora ele não tenha nada de andróide (ou seja, um robô com formas humanas, como o simpático C3PO da série "Guerra nas Estrelas"), houve um certo carinho universal por ele. O fato do bichinho ser capaz de sair do casulo em que ficou encalacrado por oito meses, descer uma rampa e começar a explorar autonomamente as suas vizinhanças, literalmente a passo de cágado, deve ter tocado alguma corda sensível dentro de todos nós.
Finalmente, existe o fato indubitável que essa é a primeira missão de exploração planetária realmente significativa e de apelo popular a ocorrer desde a ida do homem à Lua. E isso me leva de volta ao título dessa crônica: porque explorar planetas ? Será que não temos problemas suficientes a resolver na velha e boa Terra, como a fome de centenas de milhões de pessoas, a cura do câncer e da AIDS, o controle da poluição e da extinção dos recursos naturais ? Será que esses bilhões de dólares da NASA não poderiam ter outra destinação, com resultados mais rápidos e mais concretos ?
A resposta é muito complexa e depende do nosso entendimento não só do imaginário humano, como da própria maneira que a ciência deve funcionar. A curiosidade humana acerca do Universo em que vivemos, de sua história e de seu futuro não conhece limitações. Isso é uma das coisas que nos faz humanos, e não apenas na exploração científica do Cosmos, mas também em milhares de outras coisas, desde o estudo dos ovos de dinossauros (qual é a utilidade de uma coisa dessas ?) até a análise do conteúdo de hélio em estrelas distantes a 1 bilhão de anos luz de nós.
No entanto, conscientes da grande quantidade de dinheiro que estão gastando do contribuinte norte-americano, alguns cientistas e autoridades sentem-se na necessidade de "justificar" essas missões; e eles certamente têm razão em vários pontos. Entre elos, o fato de que o desenvolvimento científico e tecnológico alimentado pelo alto investimento nas indústrias e nas universidades ligadas ao programa espacial, tem resultado em inúmeros benefícios paralelos para a humanidade. Basta nos lembrarmos, por exemplo, que os primeiros microcomputadores foram desenvolvidos com contratos da NASA, pois ela precisava de equipamentos miniaturizados, confiáveis e poderosos, que coubessem no exíguo espaço existente nas primeiras astronaves. Pode ser, também, embora seja ainda muito especulativo, que a exploração de Marte esteja abrindo o caminho para uma fabulosa fonte de recursos minerais em um futuro distante. Quem sabe ?
Apesar de tudo isso, devemos ter em mente que a ciência pura não necessita de justificativas. Se existe alguma coisa que podemos estudar e conhecer, então devemos estudá-la e conhecê-la. Ponto. Cientistas divulgadores como Carl Sagan, recentemente falecido, fizeram muito para trazer ao grande público a empolgação com os objetivos científicos desvinculados do interesse meramente tecnológico. Perder esses objetivos seria muito ruim para a humanidade e para o nosso futuro.
Publicado
em: Jornal Correio Popular, Campinas, 24/7/97.
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