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Ciência e Tecnologia em 1998
Renato Sabbatini
Todo final de ano tem uma retrospectiva, e esta coluna não poderia deixar de fazer uma, também, sobre os progressos da ciência ocorridos em 1998. Infelizmente, para a ciência brasileira, o ano foi catastrófico. A notícia predominante foi o abismal corte de recursos financeiros para bolsas e financiamento de pesquisas na área federal, na esteira do desastre econômico que vem perseguindo o país desde a "crise asiática" do ano passado. Para piorar as coisas, as universidades públicas (federais e estaduais paulistas), que são as principais "locomotivas" da pesquisa no Brasil, estão sofrendo demais com os cortes nos ministérios e as quedas na arrecadação de impostos, as suas principais fontes. Talvez mais do que o corte do dinheiro do CNPq, esse é o elemento mais destrutivo da crise, pois ele afeta a universidade a médio e longo prazo, impedindo as contratações de novos pesquisadores e técnicos para substituir os que se aposentam ou pedem demissão. Para se ter uma idéia, cerca de 10% dos docentes da UNICAMP pediram aposentadoria nos últimos anos. Nenhuma vaga deixada por um grande número deles está sendo reposta em 1999, o que afetará muito a produtividade científica da universidade.Quanto à ciência internacional, ela vai muito bem, obrigado. Ao contrário do Brasil, os países desenvolvidos sabem que seu progresso e dominância social e econômica dependem cada vez mais da ciência e da tecnologia. A prestigiosa revista Science, da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS), em seu último número do ano, fez uma lista dos 10 maiores avanços da ciência em 1998 (e que, curiosamente, não são os mesmos, com uma ou duas exceções, que os maiores eventos da ciência apontados pela mídia leiga, como as revistas Time e Veja). Neste artigo, vamos fazer uma breve apresentação de alguns desses avanços. Em artigos futuros teremos a oportunidade de discutir em mais detalhes alguns deles.
- O universo se expandirá por toda a eternidade, até se dissolver no caos silencioso da morte das galáxias, estrelas e planetas pela entropia. Essa é a principal conclusão de duas pesquisas revolucionárias para a cosmologia, feitas de forma independente nos EUA. Através da medida da velocidade da luz de estrelas distantes, concluiu-se que as galáxias estão se afastando uma das outras a velocidades cada vez maiores. Além disso, nossas teorias sobre a formação do universo foram abaladas por outra descoberta importante durante o ano, feita pelo Telescópio Espacial Hubble: foram visualizadas galáxias que se formaram 12 bilhões de anos atrás, quando, teoricamente, aconteceu o "Big Bang". Não haveria tempo para isso.
- Ainda na fisica, outra descoberta revolucionária: um grupo de pesquisadores japoneses descobriu evidências de que uma partícula subatômica chamada neutrino, tem uma pequena massa. Antes se achava que o neutrino não tinha massa nem carga elétrica. Por isso, quintilhões de neutrinos gerados por raios cósmicos e estrelas distantes atravessam a Terra e nosso corpos por segundo, praticamente sem colidir com nada em seus caminhos. A descoberta também coloca dúvidas sobre as atuais teorias do Universo, pois o efeito combinado de todos os neutrinos existentes geraria uma massa capaz de alterar até o movimento das estrelas e a expansão do Universo (a
transportar a informação sobre um aglomerado complexo de átomos e moléculas, como um ser humano, é outra coisa inteiramente diferente (aliás, uma coisa que os roteiristas da "Jornada nas Estrelas" não pensaram: na realidade o que o teleportador faz é gerar uma cópia idêntica de um estado atômico em outro local. Portanto, a cada televiagem do Capitão Kirk, seria criada uma cópia idêntica dele, passando a existir dois, três, e assim por diante, que continuariam a existir independentemente um do outro!).
- Um dos setores industriais mais rentáveis e dinâmicos do mundo é a química fina, particularmente para aplicações farmacêuticas. Basta ver o grande sucesso de novas "designer drugs", ou medicamentos projetados, como o Viagra e o Xenical, este ano. Mas a descoberta de novas moléculas farmacologicamente ativas custa bilhões de dólares, e normalmente elas demoram quase uma década para chegar ao mercado, desde a descoberta. Por isso, qualquer tecnologia que acelere esse processo tem um valor comercial incalculável. Ao longo de 1998, diversos desenvolvimentos revolucionários nesse sentido mostraram que isso é possível. Usando computadores, e uma nova abordagem chamada "química combinatorial", os cientistas geram literalmente milhões de moléculas teóricas, parecidas em estrutura com moléculas naturais, como antibióticos ou medicamentos antidepressivos. Examinando sua estrutura tridimensional e como agem nos órgãos-alvo, os computadores simulam os testes biológicos (feitos em animais e seres humanos), permitindo assim selecionar em pouco tempo algumas centenas que são potencialmente ótimas candidatas para ter efeito biológico seletivo.
- Microchips que detectam se você tem algum gene defeituoso, determinam a paternidade de uma criança ou identificam um estuprador através do seu esperma. Equipamentos microminiaturizados que, em alguns segundos, analizam seu sangue á procura de vírus, bactérias, hormônios ou fatores cancerosos, utilizando apenas uma gota de sangue. Ou então, que podem ser implantados dentro do corpo, em uma veia, ou no cérebro. Esses avanços, foram trazidos pelos microchips moleculares, que utilizam a mesma tecnologia para fabricar os complexos circuitos eletrônicos usados nos microcomputadores, telefones celulares, etc. Eles utilizam moléculas de DNA específicas, "grudadas" em uma microplaca de cristal de silício, e que se ligam seletivamente à outras moléculas de DNA presentes na amostra biológica sendo dosada. Um sinal elétrico é gerado quando uma detecção é realizada, alertando o computador que faz a análise. Os microchips sensores vão revolucionar a medicina e muitas outras áreas da ciência, como na detecção de poluentes e tóxicos na comida, por exemplo.
O primeiro organismo multicelular teve seus genes totalmente decodificados neste ano. É um pequeno verme terrestre sem importância biológica e econômica, que mede menos de 1 mm, e que se chama Cenorhabditis elegans; mas o feito cientifico é espetacular. Ele tem 19,000 genes, aproximadamente, e os cientistas conseguiram determinar todos os 97 milhões de bases do DNA (cada três bases representam uma "letra" do código genético). Um dado interessante é que um número muito grande dos genes desse animal tão simples e primitivo é igual aos encontrados em outros animais mais complexos, inclusive o homem. Os cientistas acharam no C. elegans genes envolvidos na doença de Alzheimer, por exemplo, o que tem repercussões científicas interessantes. Outro avanço interessante na genética molecular foi a descoberta sobre como funcionam os "genes-relógio" em alguns animais. Esses genes explicam como a maioria dos animais e muitas plantas têm um ciclo orgânico que varia de acordo com o dia (ritmos circadianos): sono/sonho, metabolismo, hormônios, etc. A descoberta foi feita em moscas-de-fruta, mas genes similares foram encontrados em r
poros que se formam na membrana e permitem a passagem seletiva de determinados íons, como o sódio e o potássio. A descoberta notável foi de como é a estrutura tridimensional do canal do potássio, um dos íons mais importantes. O mecanismo de ação de muitos medicamentos e a descoberta de novas substâncias úteis poderá ser uma das conseqüências. O câncer de mama é um assassino brutal no mundo civilizado. Nos EUA, uma entre cada oito mulheres pode esperar ser afetada por ele durante a sua vida. Dezenas de milhares dessas mulheres perderão suas vidas por causa do câncer. Portanto, a descoberta de que uma substância chamada tamoxifeno, tomada preventivamente, pode diminuir em até 50% a chance de contrair um câncer de mama em mulheres que têm uma tendência genética anormalmente alta, é espetacular. Imaginem só o número de vidas que podem ser salvas. O tamoxifeno não é uma substância nova: já era usada em medicina para outras coisas. Seu uso preventivo pode ter pequenos efeitos deletérios, como um ligeiro aumento da incidência de câncer do útero, mas este é muito mais curável do que o CA de mama, e facilmente detectável pelo exame de Papanicolau. Quais são os fatores responsáveis pela longevidade? Porque algumas pessoas vivem até os 100 anos de idade, e outras morrem muito mais cedo? Os médicos acham que um dos fatores mais importantes é a incidência de doenças autoimunes. Parece que as pessoas que vivem mais se caracterizam por uma ausência completa desse tipo de doença, que é uma espécie de ataque do sistema imunológico contra o próprio organismo. Normalmente, este sistema funciona apenas contra microorganismos invasores e células estranhas, como as de um câncer. As vezes o sistema imune falha, como ocorre na AIDS, e as conseqüências são mortais. Outras vezes, age em demasia, destruindo as células normais. Os cientistas não sabem muito bem ainda quais as razões para as doenças autoimunes, mas em 1998 uma descoberta importante conseguiu explicar uma causa da qual já se desconfiava há tempos: algumas doenças infecciosas podem deflagrar a anormalidade imunológica. Se conseguirmos prevenir ou curar doenças autoimunes, certamente muitas pessoas serão beneficiadas.Uma conclusão interessante aparece imediatamente ao examinarmos a lista: 60% dos maiores avanços científicos de 1998 ocorreram em biologia e medicina, 20% em física e 10 % em química. Metade foi em ciência pura, a outra metade em ciência aplicada. Ciência em nível atômico ou molecular, ou seja, que lida com os menores "pedaços" de matéria, predominou em 70% deles. Para os que querem ser futuros cientistas, estas são boas indicações do caminho a seguir.
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 25/12/98 e 01/01/1999 .
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