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Quem tem medo da Informática

Renato M.E. Sabbatini

A chegada da era da informação está promovendo uma cadeia imensa de modificações no mercado de trabalho, que por sua vez colocam novas demandas sobre o sistema educacional. Em 1981, apenas 28% de todos os postos de trabalho se encontravam nos setores de manufatura, nos Estados Unidos. No ano 2000, isto cairá para 11%, e no ano 2030, para apenas 3 %. A indústria de informação, que já é responsável por cerca de 55 % do Produto Nacional Bruto dos EUA, eventualmente aumentará sua participação para 80 %, no ano 2.000. Cada vez mais, produz-se coisas que não se pode tocar (software, desenhos por computador, seqüências de DNA, vídeos, etc.). As profissões mais promissoras do futuro serão interdisciplinares: robótica, lasers, biotecnologia, aeroespaço, tecnologia médica e ciências moleculares. Em conseqüência, podemos prever que ocorrerá nos próximos anos um aumento imenso na demanda por profissionais híbridos, ou seja. médicos, biólogos, químicos, físicos, engenheiros, arquitetos, economistas, advogados, bibliotecários, etc, que também tem conhecimentos profissionais de Informática. Em meu campo, por exemplo (Informática aplicada à Medicina), a tendência mundial do mercado de trabalho é buscar o "informata médico", um profissional com formação específica, que atualmente é muito difícil de encontrar, mesmo em países desenvolvidos. Na Alemanha, existem há mais de 20 anos, cursos de graduação em Informática Médica, nos quais se ensina tanto as bases da Medicina quanto a da Engenharia da Computação.

Por isso, causa preocupação a tentativa de se fazero Brasil, mais uma vez, andar para trás na marcha da História. Estão em andamento no Congresso Nacional dois projetos de lei que pretendem regulamentar a profissão de Informática, instaurando o registro profissional e uma série de medidas corporativistas visando dar exclusividade deste imenso mercado de trabalho aos formados em análise de sistemas, e cursos afins. A jogada, como sempre, envolve dinheiro, muito dinheiro, pois o Conselho Regional que "abocanhar" essa fatia, certamente irá explorá-la, pois o registro profissional exige um pagamento anual por parte dos profissionais que a ele se filiarem. Uma das iniciativas é do Conselho Regional de Ciências Administrativas (CRA), que começou a solicitar (ilegalmente e imoralmente) registros de profissionais de análise de sistemas. O CRA patrocina um dos projetos de lei, que é tão absurdo e corporativista, que até os profissionais da computação estão contra ele. Estes profissionais, agregados na Sociedade Brasileira de Computação (SBC), que é a entidade científica representativa, resolveram propor um "boi de piranha", ou seja, reconhecendo que provavelmente a regulamentação da profissão acabará por vir, elaboraram um projeto alternativo, que corrige alguns dos absurdos do outro, e ameniza a situação. Os dirigentes da SBC são contra a regulamentação, entre outras coisas, porque a maioria deles é, pessoalmente, prova de que são muito variadas as origens dos profissionais que se dedicam à Informática, São engenheiros eletrônicos, economistas, físicos, etc.

A regulamentação da profissão será um trágico desserviço para o progresso tecnológico e científico do Brasil. Todos os países desenvolvidos regulamentam as profissões, é certo (até em um nível bem mais alto do que no Brasil), mas não cometem a asneira de limitar a entrada de uma pessoa em um emprego apenas em virtude do que está escrito em seu diploma. Quem tem competência, que se estabeleça, é o velho ditado. A proteção profissional é útil em um número limitado de casos (exercer a Medicina é um deles, por motivos óbvios), mas não tem o menor sentido em outros, como é o caso da Informática e do jornalismo. Meu próprio caso é sintomático. Eu escrevo profissionalmente há mais de 10 anos em jornais e revistas, fui editor responsável por dezenas de livros, revistas, fascículos da Editora Abril, ganhei um prêmio de jornalismo científico do CNPq; mas no entanto, em virtude do corporativismo atroz dos sindicatos de jornalistas, não posso receber essa denominação, nem me apresentar como tal, e nem pleitear um emprego de jornalista em um órgão de comunicação. Serei sempre um "colaborador", enquanto durar a lei. Também não tenho nenhum diploma em análise de sistemas, embora trabalhe profissionalmente e ensine nesta área há mais de 20 anos. Se a lei passar, poderá ocorrer o estranho paradoxo de eu dar aulas de pós-graduação, na UNICAMP, para analistas de sistemas que vem aprender tudo comigo, sem ser oficialmente qualificado !

Os cursos de Informática estão entre os que mais atraem alunos nos vestibulares das universidades. É a profissão da moda para muitos jovens, por ser muito motivadora e ter bom potencial de crescimento. Entretanto, é preciso que estes futuros profissionais resistam à noção de que são os "donos do pedaço", quanto ao mercado de trabalho.


Publicado em: Jornal Correio Popular,Caderno de Informática, 17/01/95, Campinas,
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
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