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Democracia Eletrônica

Renato M.E. Sabbatini

Os sociólogos do mundo todo estão correndo como baratas tontas para tentar explicar o fenômeno. Ele representa uma forma de interação social, de comunicação e de alteração radical das relações de poder, que nenhuma teoria clássica da sociologia consegue interpretar adequadamente. Os maiores especialistas em Informática também estão preocupados. Normas de conduta e leis de mercado, há muito tempo considerada como "vacas sagradas', estão desabando a uma taxa alarmante. Livreiros e editores não sabem mais se continuarão a ter lucros com a publicação de livros e revistas. A insegurança é total entre os antigos donos da informação.

Estou falando das redes eletrônicas mundiais de computadores, tais como a Internet, a Bitnet, a CompuServe, a Prodigy, e várias outras, que, aos poucos, estão se unindo e abraçando o globo em uma vasta teia de infinitas ramificações e quantidades inimagináveis de informações sendo trocadas ou alcançadas em questão de segundos. Somente a Internet tem quase 4 milhões de computadores interligados, em mais de 100 países, com cerca de 30 milhões de usuários, e as previsões mais pessimistas de crescimento estão falando em 200 milhões de usuários até o final do século, com uma taxa de crescimento de mais de 50 % ao ano. A Microsoft e a IBM, brigando ferozmente pela hegemonia de seus sistemas, estão oferecendo softwares de acesso transparente ("one button access") e matrículas gratuitas na Internet para quem comprar o Windows 95 ou o OS/2 Warp. Só a Microsoft estima que sua rede, recém-batizada de MSN (Microsoft Network) arregimentará 3 milhões de novos usuários por ano. Por tudo isso, até a nome dessa hiper-rede vai ser diferente. Recentemente, um fórum eletrônico da Internet, o 2020World, fez um plebiscito entre os seus quase 2.000 participantes, perguntando qual seria o melhor nome para definir esse sincício monstruoso em formação. O nome vencedor ? Simplesmente "The Net", a Rede. Nada mais. Todo mundo vai entender quando se pronunciar esse nome...

Alguns exemplos do potencial revolucionário da Rede:

- Software de domínio público: bastou alguém informar que o formato GIF (Graphics Interchange Format), usado amplamente para armazenar imagens na Rede, era patenteado, que alguém desenvolveu (quase do dia para a noite) um novo padrão, o GEF (Graphics Exchange Format), que é de domínio público. Em poucos dias, ele passou a se difundir por toda a Rede. Hoje em dia, existem softwares de altíssima qualidade disponíveis na Rede, que nada ficam devendo a qualquer produto comercial. Muitas vezes, são "pacotes" profissionais que demoraram anos e centenas de milhares de dólares para serem desenvolvidos, tais como um completissimo sistema operacional UNIX, acompanhado por mais de 500 programas aplicativos. Detalhe: qualquer pessoa com acesso à Internet pode copiá-los, sem pagar um tostão. É um dos fenômenos sociológicos novos de que eu falava acima: os programadores de software de domínio público e shareware competem entre si para ver quem consegue fazer o software gratuito mais sofisticado e mais cheio de recursos ! Não tem lógica, pelo menos para a lógica empresarial tradicional.

- A democracia dos usuários: as ações e a credibilidade da empresa norte-americana Intel, que fabrica nove entre 10 dos chips que comandam os microcomputadores de todo o mundo, foram abaixo estrondosamente, quando notícias na Internet foram as primeiras a divulgar um defeito sério no seu chip mais avançado, o Pentium. Sem se dignar a dar uma resposta coerente aos milhões de usuários de seus chips, que fazem parte da Internet, a Intel foi literalmente massacrada com milhões de mensagens, reclamando, gozando, recomendando, ensinando, etc., e agora deve amargar um prejuízo de mais de 200 milhões de dólares. Nunca tinha acontecido algo do gênero.

- Copyrights: milhares de livros e revistas em texto completo são adicionados mensalmente à Internet, para acesso gratuito. Até mesmo a vetusta e milionária Encyclopaedia Britannica acabou entrando na dança. Os seus 29 volumes já estão disponíveis em multimídia na rede. Sem cobrar nada, que é a filosofia básica da Internet. Não é a toa que os editores estão preocupados...

E por aí vai. Os que entenderem mais cedo a natureza do fenômeno, serão o que mais dele ganharão.


Publicado em: Jornal Correio Popular,Caderno de Informática, 7/2/95, Campinas
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
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