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Vaporware e betalândia

Renato M.E. Sabbatini

A poderosa Microsoft está na mira da justiça americana. E não é para menos. Já imaginaram o quando estamos dependentes dessa empresa, a maior produtora de software para computadores do mundo ? Segundo as estatísticas mais recentes, seus produtos são usados em 80 % de todos os microcomputadores. Os superlativos sobre a Microsoft não acabam nunca: o sistema operacional mais usado do mundo é o Microsoft DOS. O ambiente operacional gráfico mais vendido (e pirateado) do mundo é o Microsoft Windows 3.1. Seu dono, Bill Gates, é o americano mais rico (seu patrimônio está chegando na casa dos 8 bilhões de dólares e não pára de crescer). A Microsoft é um verdadeiro rolo compressor, e está próxima de se converter em um monopólio em escala mundial. Por isso, a divisão anti-truste do Ministério de Justiça dos EUA resolveu investigar as práticas monopolistas da Microsoft. Colocou quase 60 advogados trabalhando no caso, e depois de um ano, chegou a algumas conclusões preocupantes. Entre elas:

- A Microsoft têm uma vantagem enorme sobre os concorrentes, pois produz tanto o sistema operacional (o software básico que permite o controle de todos os componentes de um computador) quanto os programas aplicativos (processadores de textos, planilhas, bancos de dados, etc.). Em uma das práticas condenáveis da Microsoft, ela passa aos seus programadores dados secretos sobre as novas versões dos sistemas DOS e Windows, dando uma dianteira invejável aos mesmos. Aos concorrentes, não passa nenhuma informação, ou pior, passa, mas muda bruscamente e sem aviso algumas características do sistema operacional, fazendo com que os programas dos concorrentes deixem de funcionar de uma hora para outra. Maquiavel não faria melhor.

- A Microsoft manipula os preços do mercado, baixando-os arbitrariamente quando deseja liquidar com concorrentes ameaçadores (dumping). Além disso, existem evidências de que ameaçou jogar para fora do mercado empresas menores que não quiseram ceder às suas exigências, ou que tentou adquirir. Recentemente, por exemplo, a Microsoft comprou a maior software-house americana na área de finanças pessoais, a Intuition, por 1,5 bilhão de dólares. Vai ter monopólio quase que total sobre esse canto extremamente apetitoso de software aplicativo para computadores pessoais.

Outra tática da Microsoft é anunciar produtos de software muito antes de que estejam realmente disponíveis. Foi o caso da nova versão do Windows, de codinome Chicago. Anunciada dois anos atrás, e "em testes" (nas palavras da Microsoft) desde novembro de 93, ainda não foi liberada para comercialização, e não se sabe ao certo quando isso ocorrerá. Esse tipo de coisa é chamado pejorativamente em Informática de "vaporware", e evidentemente é letal para os concorrentes, como o sistema OS/2 Warp, produzido pela IBM, pois os consumidores hesitam em comprar, aguardando o novo produto. Outro termo curioso é o beta-teste, que é a fase em que se encontra oficialmente o Windows 95. Se refere às duas fases de teste de um novo produto de software. O alfa-teste é o primeiro, e é normalmente realizado dentro da empresa, pois tem como objetivo retirar erros grosseiros de programação e refinar suas funções. Já o beta-teste é feito com grupos selecionados de usuários, em condições reais de uso, e que passam informações para a empresa poder melhorar o produto do ponto de vista da interface, funcionalidade, facilidade de operação, etc. A Microsoft, pelo visto, é a rainha da betalândia, pois existem tantas cópias do Windows 95 em teste-beta pelo mundo (algumas centenas de milhares), que é impossível imaginar que o objetivo tenha sido melhorar o produto. Mais provavelmente, trata-se de uma tática de "ocupar lugar" junto aos usuários mais influentes.

Todas essas são manobras clássicas dos trustes, e o governo americano processou a Microsoft, tentando desmembrá-la, como conseguiu fazer com a Bell na década dos 80. Depois de uma luta ferocíssima, a Microsoft cedeu em alguns pontos e a Procuradoria Geral da República ficou satisfeita. A semana passada, entretanto, o processo foi reaberto pelo juiz federal revisor do caso, que não se conformou com as conclusões do processo. Isso ainda vai dar muito pano para as mangas e fazer a Microsoft gastar alguns milhões de dólares. A IBM, que escapou por pouco de um processo semelhante nos anos 70, deve estar rindo à socapa.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Caderno de Informática, 11/4/95, Campinas,
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