A imprensa está enlouquecida. O assunto do momento é a Internet, a gigantesca rede de computadores que abarca o planeta, com seus quatro milhões de computadores interligados, e mais de 30 milhões de usuários. Quase todos os grandes jornais brasileiros agora têm secções permanentes sobre a Internet, e alguns deles também estão conectados à rede. Curiosamente, entretanto, apesar da enorme exposição na mídia, muitas das matérias divulgadas estão contribuindo para a ignorância geral, e confundindo as pessoas sobre a verdadeira natureza da Internet, principalmente no Brasil.
Aparentemente, o surto de interesse em uma rede que existe e vai bem, obrigado, desde o final dos anos 80, se deve ao anúncio feito pela Embratel, de que iria passar a oferecer a "Internet comercial", seja lá o que isso significa (a Internet ficou conhecida como uma rede predominantemente acadêmica, mas isso é coisa do passado. Nos EUA, a esmagadora maioria dos novos nodos que estão sendo conectados à rede é privada). No Brasil, a Internet também tem suas origens no setor acadêmico. A FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), órgão que financia a pesquisa científica no estado, montou uma infraestrutura, denominada ANSP (An Academic Network in São Paulo), para interligar a maioria das instituições de ensino e pesquisa à Internet, e contratou a ligação com a Internet, através de um canal de satélite. Nosso "nodo de chegada" nos EUA (e daí para o restante do mundo) é o Laboratório Nacional Enrico Fermi, localizado em Chicago. Posteriormente, as demais instituições acadêmicas brasileiras foram se ligando à rede, que hoje é gerenciada por um órgão do Ministério de Ciência e Tecnologia, chamado RNP (Rede Nacional de Pesquisa), cuja séde fica em Barão Geraldo, perto do campus da UNICAMP. Hoje, a RNP tem cerca de 50 mil usuários em todo o país, e não é mais exclusivamente acadêmica, como muitos imaginam. O IBASE, instituto de estudos sociais mais conhecido por seu mentor, o famoso Betinho, há alguns anos oferece conexões da Internet a pessoas físicas, ONG's e BBS (Bulletin Board System, ou "mural eletrônico"), por um custo muito baixo. Muitas empresas também já se conectam à Internet, principalmente depois do convênio firmado entre a FAPESP e a UNIEMP, a Fundação Universidade-Empresa, que tem um servidor localizado em São Paulo.
A iniciativa da EMBRATEL, que aparentemente quer monopolizar o acesso à Internet no Brasil, foi produtiva, no sentido de despertar nas pessoas comuns, que não estão ligadas à uma instituição acadêmica, a vontade de entrar "nessa tal de Internet". No entanto, esse monopólio seria tremendamente ineficaz e perigoso. Vai contra a filosofia básica que fez a Internet crescer tanto e ser tão apreciada em todo o mundo, que é o de democratizar ao máximo o acesso à rede, e deixar ela crescer de forma totalmente livre. O papel da EMBRATEL e das TELE's seria apenas o de proporcionar a melhor infraestrutura de comunicações possível, as famosas "infovias" de alta velocidade e ampla distribuição geográfica, sobre as quais trafega a Internet (que é uma rede "virtual", ou seja, ela é decentralizada, e existe apenas em função de alguns protocolos ou padrões de intercomunicação). A tentativa de centralizar tudo, gerenciar a árvore toda de comunicações, como a EMBRATEL faz com a RENPAC (Rede Nacional de Pacotes), é limitante e só inibe o crescimento dos sistemas de comunicação de dados. Basta ver o insucesso fragoroso de sistemas desse tipo no Brasil, como o Videotexto e o STM-400 (Sistema de Troca de Mensagens, um correio eletrônico que roda na RENPAC). São serviços caros, ineficientes, pouco atrativos, com enormes limitações quanto à variedade e número de serviços oferecidos. Na minha opinião, entregar "de bandeja" a Internet à EMBRATEL seria catastrófico. Iniciativas de altissimo sucesso, como a RNP, não podem ser "engolidas", sob pena de vermos desperdiçado todo o magnífico esforço de expansão, enriquecimento e bons serviços prestados pela Internet brasileira à sociedade.
O mais irônico de toda essa história é que as intenções da EMBRATEL aparentemente são fundamentadas em um desejo de faturar muito com a nova moda da Internet. O modelo estatizante e o conceito militar de controle (que, por incrível que pareça, ainda é dominante nas nossas empresas estatais) levou-a ao açodamento do monopólio. Só que ele não é necessário. A EMBRATEL e as TELE's ganharão muito mais dinheiro investindo na expansão do sistema de infovias e alugando o seu uso a quem quiser usá-las para acesso à Internet. Fazer o contrário seria como o estado construir uma estrada, e querer ser o seu único usuário, com seus próprios carros, önibus ou caminhões ! Faz sentido uma coisa dessas ?
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