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Um experimento de sucesso

Renato M.E. Sabbatini

A flamejante discussão em curso no Brasil, sobre o que é e quem deve operar a chamada Internet "comercial" no Brasil, acaba de se encerrar nos Estados Unidos. A National Science Foundation, equivalente americana do CNPq, que é o órgão do governo federal ao qual pertence o setor coordenador da Internet no Brasil, a Rede Nacional de Pesquisa (RNP); desligou oficialmente a semana passada o seu "backbone" (espinha dorsal da rede, ou seja, o conjunto de equipamentos digitais, linhas especiais e computadores que constituem a "infovia" por onde trafega a informação da Internet). Essa possibilidade já tinha sido decidida dois anos atrás, quando a NSF e a cúpula dirigente da Internet decidiram que o experimento de 15 anos de duração no estabelecimento da NSFNet tinha provado sua viabilidade, e que o governo não colocaria mais dinheiro alí. As prioridades de investimento agora estão na investigação da viabilidade das "supervias da informação", ou NII (National Information Infrastructure), que disporá de conexões de altissima velocidade, na faixa de gigabits por segundo (um gigabit equivale a 125 megabytes, ou o texto de sete Encyclopaedias Britannicas por segundo !).

De alguns anos para cá, a Internet americana mudou rapidamente, de uma rede quase que inteiramente acadêmica, financiada pelo governo, para uma enorme federação de redes comerciais interligadas por um protocolo comum (o TCP/IP, desenvolvido no final da década dos 70), e centenas de "gateways", que é o nome que se dá aos computadores que fazem o trabalho de "ponte" entre duas redes distintas. Enormes redes comerciais independentes, como a MCIMail, a CompuServe, a Prodigy, etc., se conectaram à Internet e passaram a oferecer serviços variados. Assim, em novembro do ano passado, a NSFNet comunicou às entidades acadêmicas ligadas à Internet que a rede seria interrompida, mas de maneira tal que ela não "morresse". Essencialmente, isso significava que elas deveriam procurar vias de comunicação pagas comercialmente, como a MCI, a Sprint e a ANS, das quais o governo contratava antes os serviços para manter a infraestrutura da NSFNet. No dia 21 de abril passado, foram removidas as tabelas de roteamento (uma espécie de mapa que permite aos equipamentos dos nodos da Internet saberem para onde enviar mensagens). Um grande centro de acesso em nivel nacional, chamado Network Access Point (NAP) foi estabelecido em Washington, e a maioria das operações começou a ser transferida para lá estas semanas. No dia 30 de abril, a NSFNet foi desligada inteiramente. Como resultado, ocorreram diversas instabilidades na rede, com muitas mensagens se perdendo, mas as coisas estão começando a se acertar sem muitos traumas.

Essa história toda é notável por muitos pontos de vista. Um deles é o gigantismo da operação. A Internet americana não é brincadeira. Detém 60% dos 4,5 milhões dos nodos ligados à Internet, e quase 80 % do tráfego. Tem um complexo emaranhado de vias de alta velocidade. Consome dezenas de milhões de dólares em tarifação, anualmente. No entanto, a habilidade com que eles conseguiram fazer a transição é algo realmente fascinante. A Internet americana é, agora, uma operação inteiramente comercial. A NSF ainda estará doando 4 milhões de dólares para a rede por ano, durante quatro anos, mas isso também acabará.

O que acontecerá no Brasil ? A RNP tem sido a defensora (e em ultima instância parece ter sido a vencedora) de uma Internet integrada e única. Aqui, como nos EUA, a rede nasceu totalmente acadêmica, e ainda é, em mais de 90 %; sendo essencialmente financiada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (cerca de 1,8 milhões de reais por ano apenas para pagar os serviços de rede prestados pela Embratel) e pelos governos estaduais que têm redes (por exemplo, a rede paulista, a mais poderosa, custa mais 1,3 milhões de reais por ano, pagos pela FAPESP, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Os usuários, como a UNICAMP e a USP, gastam outros tantos milhões pagando serviços de conexão entre suas redes locais e os roteadores da FAPESP. No entanto, são quantias relativamente pequenas perto do que se gasta tanto em pesquisa cientifica quanto em telecomunicações no Brasil, mas mantém um serviço tremendamente valioso para a comunidade acadêmica. O impacto positivo final é muitas vezes maior do que esse pequeno investimento.

O anúncio feito pelo Ministério das Comunicações que a RNP seria a responsável pelo gerenciamento do "backbone" brasileiro, provocou algumas reações negativas no meio acadêmico, que teme que uma rede que serve essencialmente à pesquisa e ao ensino no Brasil, venha a ser "deturpada", e pior, subsidiada para o setor privado, que iria receber tudo de "mão beijada". No entanto, não é bem assim. Os usuários ditos comerciais terão que pagar pelos serviços e gerar receitas que servirão para financiar a expansão e a operação do "backbone". Os usuários acadêmicos continuarão a serem financiados pelo poder público. O ministro Israel Vargas, do MCT, já concordou em financiar por mais quatro anos a operação não comercial. No fim, todo mundo fica feliz, pois absurdo seria ter duas Internets operando em paralelo, uma comercial e outra não comercial. Eventualmente, entretanto, seguiremos o caminho adotado pela NSF nos EUA.


Publicado em: Jornal Correio Popular,Caderno de Informática, 9/5/95, Campinas
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