Indice de Artigos

A promessa virtual

Renato M.E. Sabbatini

Realidade virtual, o mundo de ficção científica que nos vem sendo prometido há vários anos pelos avanços da tecnologia computacional ainda não se concretizou de maneira prática, e nem se generalizou de forma ampla pela sociedade, como previam seus "gurus".

E por que ? O princípio de funcionamento da realidade virtual é relativamente simples. Ele é baseado em alguns periféricos especiais, que dão ao usuário a sensação de estar "mergulhado" em um mundo criado por software em um computador, um mundo que não existe de verdade, mas que transmite uma poderosa sensação de realismo. O primeiro deles é um capacete contendo duas telas coloridas miniaturizadas, uma para cada olho, e sensores de posicionamento e de direção de movimentação da cabeça. Os vídeos binoculares transmitem imagens gráficas realistas de ambientes gerados em perspectiva tridimensional por um programa de computador. Cada tela transmite uma visão estereoscópica em ângulos distintos da mesma cena, de modo que o usuário tem a impressão de estar dentro de um ambiente real. Os sensores transmitem a este programa a direção em que o usuário está olhando (para cima, para baixo e para os lados) e a velocidade em que ele a modifica. O programa realiza os cálculos necessários para alterar a cena gerada nas telinhas do capacete, dando ao usuário a impressão de estar olhando para diferentes pontos do cenário.

O segundo periférico é a DataGlove, uma luva que incorpora sensores de movimentação dos dedos e de posicionamento absoluto da mão no espaço. O programa de realidade virtual, então, incorpora esses elementos em uma mão "simulada" no ambiente virtual, de modo que o usuário pode apontar, "agarrar" objetos visuais, gesticular, etc. Assim, o elemento de manipulação manual interativa é introduzida no ambiente virtual. Da mesma forma, existem DataSuits (roupas interativas, para todo o corpo), esteiras motorizadas (que captam a velocidade da marcha do usuário) e sensores/efetores de força.

Se o computador que comanda e controla tudo isso é suficientemente poderoso e pode ficar dedicado exclusivamente para gerenciar as complexas interfaces do equipamento com o usuário, o resultado é impressionante e diferente de tudo que nosso cérebro consegue experimentar. Uma das primeiras aplicações da realidade virtual foi uma simulação de vôo livre sobre a cidade de São Francisco. Usando gestos padronizados das DataGloves, o usuário tinha a sensação gloriosa de estar voando, fazer evoluções, rasantes e acrobacias, e até "passar" sob a ponte Golden Gate ! Deve ser uma sensação muito gostosa. Em outras aplicações, desenvolvidas pela Universidade de Washington, em Seattle, EUA, um estudante de Medicina pode manipular em três dimensões um esqueleto humano virtual, realizar dissecções e estudar anatomia de forma interativa.

Pois bem, o maior obstáculo para a popularização da realidade virtual é justamente o seu preço. Um conjunto profissional de capacete e datagloves não sai por menos de 7 mil dólares. Acrescente a isso o preço de um supercomputador, necessário para gerar as imagens em tempo real, com o maior realismo possível, e veremos que mesmo centros avançados de pesquisa, como a UNICAMP, ainda não têm recursos mínimos para iniciar projetos de realidade virtual. Segundo especificações da Dra. Suzanne Weghorst, coordenadora do projeto de Seattle, o software de computador deve ser capaz de gerar animações gráficas à razão mínima de 30 a 40 quadros por segundo, cada quadro tendo 2 a 3 milhões de polígonos (polígono é uma superfície de aspecto tridimensional que necessita mudar de orientação a cada imagem gerada pelo computador. Todos os objetos realísticos precisam ser gerados em tempo real através de milhares de polígonos, que recobrem todas suas superfícies externas)

Algumas empresas de videogames, como a Sega e a Nintendo, chegaram a anunciar lançamentos de produtos de realidade virtual voltados para o mercado de entretenimento, a um preço realmente muito mais baixo. A Nintendo inventou uma DataGlove simplificada (40 dólares), e a Sega, o capacete de visualização em três dimensões (54 dólares). Depois desses anúncios, entretanto, nada aconteceu, ao que eu saiba. Serviu para "colocar areia", um artigo científico no Japão, que detectou problemas neurológicos e oftalmológicos em crianças que usavam os tais dos óculos de realidade virtual, por muito tempo. Isso serviu para esfriar um pouco o entusiasmo da indústria de entretenimento eletrônico, compreensivelmente preocupada com o fantasma de milhares de processos civis iniciados por pais.

Continuaremos na expectativa...


Publicado em: Jornal Correio Popular,Caderno de Informática, 10/10/95, Campinas,
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
WWW: http://www.nib.unicamp.br/sabbatin.htm
Jornal: cpopular@cpopular.com.br

Copyright © 1992-1995 Correio Popular, Campinas, Brazil