A imprensa noticiou, na semana passada, que o Cartel de Cali, responsável por boa parte da cocaína "exportada" para os EUA, já tem uma HomePage na World Wide Web (WWW), a subrede da Internet que permite acessar produtos de multimídia. A página em questão, evidentemente, é uma gozação. Através do seu endereço de acesso (o chamado URL, ou Uniform Resource Locator), seria possível localizar onde está o servidor, e tomar as medidas repressivas necessárias (afinal, é um grupo de bandidos, e o governo colombiano não hesitaria em procurá-los).
Mas, a notícia trouxe à baila um dos "problemas" da Internet, que é a presença de grupos ideológicos e políticos indesejáveis, do ponto de vista da democracia e da convivência pacífica entre raças, povos e nações. A revista americana Internet World trouxe, em sua última edição, uma extensa reportagem sobre esses grupos. Como a Internet é, de certa maneira, um "retrato do mundo", podemos encontrar nela praticamente de tudo o que existe em outros setores da indústria de informação, desde panfletos (literalmente) incendiários e documentos venenosos de anti-semitas, neonazistas, supremacistas brancos, ultranacionalistas, etc., até as expressões mais bizarras da assim chamada humanidade.
Um bom exemplo é a rede Patriot, mantida pela ultradireita americana, através do apoio velado de grupos de vigilantes, organizações paramilitares, a Klu-Klux-Klan e a John Birch Society. São grupos virulentamente anti-tudo, que pregam a derrubada do governo americano abertamente, pela força, se for necessário. A liberal constituição dos EUA permite a sua existência, advogando a punição apenas contra indivíduos que atentarem contra a ordem do Estado. As HomePages, Gophers e arquivos FTP da rede Patriot fornecem abundantissimo material para alimentar esses ódios e manias, desde cópias de discursos de seus líderes, até textos completos do Mein Kampf, de Hitler, do Protocolo dos Sábios do Sião (um texto anti-semita clássico, apócrifo), receitas para fabricação de bombas poderosas (inclusive uma semelhante à que explodiu no estado de Oklahoma), treinamento militar, técnicas de sobrevivência e outras. Está lá, tudinho, para quem quiser procurar, e acessível até aqui do Brasil.
A presença de grupos políticos e ideológicos radicais é tão grande, que se formou uma associação na própria Internet, para combatê-los. Essa associação conta com voluntários, que monitoram as páginas e as listas de discussão desses grupos, e montam contra-ofensivas na rede, para rebater os argumentos mais absurdos, ilógicos e perigosos que são disseminados periodicamente na Internet. O grande perigo para a liberdade geral e irrestrita que voga na Net é constituido pelas panfletagens odiosas que os grupos radicais fazem às vezes, enviando milhares de mensagens para listas de discussão que não têm nada a ver com a discussão política. Quando isso acontece, os grupos de revide podem "bombardear" as caixas postais eletrônicas de quem as enviou, paralisando-as sob o peso de milhares de mensagens de protesto, enviadas automaticamente. O problema é que, muitas vezes, essas mensagens são enviadas de forma anônima, sem endereço de regresso (isso é possível, como já expliquei antes nesta coluna, através dos chamados "servidores de anonimidade" da Internet, que são serviços operados privadamente por voluntários, que removem o endereço eletrônico do remetente, antes de reenviar a mensagem aos seus destinatários). Não deixa de ser uma espécie de guerra.
Embora tudo isso possa parecer absurdo, não há como bloquearmos a entrada dos grupos radicais indesejáveis na Internet. Não existe uma autoridade central na rede, nem é possível bloquear o tráfego em função do conteúdo das mensagens (pelo menos até agora). Qualquer tentativa de censurar a Internet, mesmo com finalidades socialmente aceitáveis, como essa, esbarrará inevitavelmente na oposição de grupos liberais, que acham que essa censura poderá mais tarde ser expandida para abranger informações, grupos e pessoas que têm bandeiras legítimas.
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