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A teia do conhecimento

Renato M.E. Sabbatini

Depois que surgiu a Internet, a ciência nunca mais foi a mesma.

Explico: há cerca de dez anos atrás, começou-se a montar uma poderosa rede de computadores que, a partir dos EUA, seu berço de origem, espalhou-se por todo o mundo. Essa rede, denominada Internet, abrange atualmente mais de 150 países, e tem cerca de 5 milhões de computadores interligados, em quase 60 mil instituições de pesquisa ou ensino. Desde o começo, a ARPA (Advanced Research Projects Agency), a agência do Ministério da Defesa americano que a criou, a partir de uma pequena rede interligando três universidades na Califórnia e Nevada, o objetivo da rede sempre foi servir de veículo para o intercâmbio rápido de mensagens entre pesquisadores, e possibilitar o desenvolvimento sustentado de projetos de cooperação científica e tecnológica em áreas críticas para os militares americanos. Esse objetivo inicial, bastante limitado, foi totalmente ultrapassado quando, em 1986, a National Science Foundation, a poderosa agência federal de financiamento de pesquisas dos EUA, resolveu bancar a expansão da rede para todas as instituições educacionais e de pesquisa do país, denominando-a de NSFnet.

O impacto, como se pode imaginar, foi enorme. O objetivo da NSFnet foi amplamente comprovado por milhares de projetos de pesquisa desenvolvidos em cooperação entre vários grupos, simultaneamente, como o que foi desenvolvido sob a liderança do Dr. Carver Mead, do California Institute for Technology (Caltech), de Pasadena, que conseguiu implantar uma metodologia fácil e rápida de circuitos digitais integrados, dando cursos pela Internet, e permitindo até mesmo o envio eletrônico de planos de construção de máscaras de chips. Não há dúvida que o projeto vitorioso do Dr. Mead foi fundamental para estabelecer os recursos humanos especializados que logo deram a iniciativa e a liderança tecnológica dos EUA na área dos chips de altíssima densidade (VLSI), a base dos computadores atuais.

O exemplo mais recente de como a Internet se tornou essencial para a cooperação científica foi dado pelo acompanhamento internacional que se deu à colisão do cometa Shoemaker-Levy 9 (SL-9) com o planeta Júpiter, em julho de 1994. Quando se tornou claro, 14 meses antes da colisão, que esse seria um fenômeno científico absolutamente único na história da astronomia e da astrofísica, e que seria necessário um gigantesco esforço internacional para registrar todos os aspectos da colisão, a Internet foi o meio escolhido para recrutar, organizar e planejar todos os aspectos da complexa operação. O imenso grupo de astrônomos e astrofísicos foi coordenado pelo Dr. Brian G. Marsden, diretor do Escritório Central de Telegramas Astronômicos (a instituição do Smithsonian Institute responsável pelo registro de novas descobertas astronômicas, como o SL-9), e que envolvia, além de observatórios localizados na Espanha, Chile, Havaí, Austrália e EUA, entre outros, os recursos especiais proporcionados pelo Telescópio Espacial Hubble, a sonda espacial Galileu (operada pela NASA), o observatório aéreo Kuiper (montado em um avião a jato), o Observatório de Infravermelho do Pólo Sul, etc.

Embora as colisões fossem se realizar na face oculta de Júpiter, fora, portanto da linha de visão dos telescópios terrestres, deu uma sorte tremenda com relação às plataformas espaciais: o Hubble tinha tido seu defeito óptico reparado no espaço por uma equipe da NASA; e a sonda Galileu se encontrava em posição ótima para registrar o evento através de suas câmaras. No dia D da primeira colisão, mais uma vez a Internet foi utilíssima. À medida que as imagens coletadas pelos telescópios e sondas chegavam ao centro de comando na Caltech, eram divulgados pelo WWW (World Wide Web), uma sub-rede da Internet que permite visualizar imagens estáticas e filmes. Eu estava visitando a Caltech justamente nesse dia, e foi muito emocionante acompanhar as gigantescas explosões e plumas de gás com 3.000 km de altura nas telas de computadores alimentados pela Internet, poucos minutos depois de terem sido recebidas na Terra.

A Internet representa uma oportunidade de ouro para o Brasil se inserir melhor nos grupos de pesquisa internacionais. Não podemos deixar passá-la inaproveitada.


Publicado em: Jornal Correio Popular, 23/11/95, Campinas
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