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Realidade virtual

Renato M.E. Sabbatini

Em um famoso "cult film" da década dos 80, chamado TRON, um técnico de computação é acidentalmente transferido para dentro dos circuitos de um computador, onde trava diversas batalhas no estilo "video game" contra vilões que o querem eliminar. O filme se tornou famoso não tanto pelo enredo, um tanto pueril, mas sim pela beleza plástica e excepcional qualidade dos gráficos animados por computador que compõem a maior parte de sua metragem. Seu maior mérito, entretanto, foi chamar a atenção para um fenômeno que, passada uma década, começa a causar pesadelos em filósofos e cientistas: à medida que tomamos nosso destino biológico cada vez mais em nossas mãos, através da tecnologia, será que o ser humano não acabará se transformando em um organismo híbrido, parte natural, parte artificial ?

Uma nova tecnologia da Informática, denominada realidade virtual é um exemplo fascinante e revolucionário dessa nova tendência. Ela possibilita, através de uma complexa simulação computadorizada de nossas sensações (visão, audição, tato, temperatura, posição espacial, movimentação), que o computador passe a fazer parte da nossa consciência, gerando um mundo totalmente artificial em termos de realidade física, mas absolutamente real, em termos de percepção humana.

A realidade virtual é baseada no seguinte fato: quando estimulamos os nossos receptores sensoriais externos através de sensações artificiais, chega um certo momento em que o sistema nervoso já não consegue distinguir entre o que é real e o que é artificial. Vestindo um capacete binocular e auditivo, que envia imagens e sons gerados pelo computador, e uma luva cibernética, que transmite ao computador a posição e movimentos da mão do usuário, é possível acoplar sensação e ação em um ambiente onírico, tão maluco quanto se queira. Poderemos, por exemplo, voar por entre os prédios de uma cidade criada pelo computador, brincar com moléculas do tamanho de uma bola de futebol, ou andar dentro do cérebro de outra pessoa, recriado em três dimensões através de imagens radiológicas obtidas de um paciente real. Seremos capazes de escolher e viver em outros países e mundos, existentes ou não, tocar e conversar com celebridades já mortas, assumir o formato de outros seres vivos (que tal ser uma aranha ou um pégaso ?), e muito mais.

A área de lazer e entretenimento foi a primeira a adotar esta novidade. Já existem video games nos Estados Unidos, por exemplo, nos quais o jogador "entra" dentro de um mundo artificial tridimensional, simulado pelo capacete ocular, e desfecha tiros ou golpes de espada contra inimigos imaginários, movimentando uma das mãos, calçada com a luva cibernética. As pessoas que já utilizaram este novo jogo relatam uma sensação absolutamente extasiante e absorvente de participação real. Muito parecido com o que aconteceu no filme TRON, não acham ?

Segundo Jaron Lanier, um jovem norte-americano que é considerado o guru da realidade virtual (ele é o presidente da VPL Research, Inc., que fabrica os implementos computadorizados necessários para esta tecnologia), no futuro a realidade virtual será o meio usado pelas pessoas para criar mundos ao invés de palavras ("worlds instead of words"), criando sonhos impossíveis e dividindo-os com outras pessoas. Uma forma objetiva de consciente coletivo, um ideal Jungiano pós-moderno. Ele propos, por exemplo, interligar os equipamentos de realidade virtual de várias pessoas, que assim poderão habitar o mesmo mundo artificial e interagirem uns com os outros. Só a imaginação mais desvairada limita o que se poderá fazer com a tecnologia de realidade virtual...

O mais impressionante é que os equipamentos utilizados atualmente para criar a realidade virtual são absolutamente primitivos perto do que vem por aí. Já estão sendo pesquisadas, por exemplo, roupas cibernéticas completas, que estimularão mecanicamente, termicamente, e até quimicamente, todos os órgãos sensoriais do corpo, simultaneamente, sob o controle de um computador poderosíssimo. Motores embutidos nesta roupa (um autêntico "computador para vestir"), possibilitarão mimetizar resistências mecânicas, pesos, inércia, etc., tornando as sensações mais realísticas. Assim, a sofisticação tecnológica da realidade virtual do futuro nos permitirá, quem sabe, viver por longos períodos em um mundo totalmente sintético, indistinguível do real !

Vários pesquisadores prevêem, por exemplo, que existirão "viciados" em realidade virtual, que praticamente se desligarão do mundo real, explorando de forma contínua outras paragens e pessoas de acordo com seus desejos mais loucos. Uma Justine, ou o vício recompensado, sem bloqueios éticos, morais ou legais ? Surgirão empresas (talvez clandestinas, cartéis de Medellin do sonho eletrônico) que venderão cenários e equipamentos para quem quiser se arriscar ? Quais serão as conseqüências sociais, econômicas e psicológicas de tudo isso ?

Podemos prever que chegará um dia em que não saberemos mais distinguir entre o que é natural e o que é artificial dentro do nosso próprio corpo.


Publicado em: Jornal Correio Popular, 12/3/92, Campinas,
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