Indice de Artigos

A explosão do software

Renato M.E. Sabbatini

Em 1982, decidi que ia escrever minha tese de livre-docência usando um processador de textos. Na época, eu tinha um microcomputador tipo TRS-80, da Radio Shack, de 8 bits, e acesso a um minicomputador HP-1000, de 16 bits. O TRS-80 tinha a fabulosa memória de 32 Kbytes, graças a uma expansão de 16 Kbytes que eu tinha comprado na Alemanha, ao preço absurdo de 400 dólares, e que ocupava um espaço maior do que um lap-top atual. Não tinha disco nem impressora ($$$ demais para meu bolso). Já o HP-1000 tinha um disco rígido de 2 Mbytes, e uma bela impressora matricial. Portanto, como a tese parecia ser longa, decidi digitá-la no HP-1000.

Só tinha um problema: não havia programa de processamento de textos para essa máquina (uma situação bastante comum á 15 anos atrás: softwares aplicativos genéricos, como planilhas, bancos de dados, etc., simplesmente não existiam em uma faixa que custasse menos de 10 mil dólares cada pacote). Resultado: fui obrigado a desenvolver um programa de processamento de textos em FORTRAN, que pegava um texto digitado em um programa tipo EDIT, e depois o formatava, alinhando as colunas, inserindo espaço para figuras, numerando as páginas, etc. Demorou mais tempo do que digitar a tese propriamente dita ! E o pior é que tentei vendê-lo para alguma software- house, depois, para recuperar o tempo gasto, mas ninguém quis comprar...

E porque não ?

Em 1983, existiam dezenas de arquiteturas de hardware e de software diferentes. Cada computador tinha o seu próprio sistema operacional, por exemplo. Desenvolver e comercializar software nessa situação era um pesadelo: ou a software house desenvolvia versões do programa para cada um dos tipos de computadores (inviável, caríssimo), ou cobrava muito caro por uma versão específica para uma determinada máquina na qual a software house se especializava.

Com a chegada do IBM-PC e do Macintosh, porém, o cenário mudou radicalmente. Com o mundo da computação pessoal e da automação de escritórios e empresas adotando firmemente um desses dois padrões, e aumentando enormemente a sua base instalada (número de máquinas de cada tipo em operação), tornava-se bom negócio desenvolver e comercializar software em massa. Ocorreu, então, a explosão da indústria de software, liderada pela Microsoft (sistema MS-DOS, BASIC, aplicativos básicos), pela Ashton-Tate (bases de dados) e pela Lotus (planilha 1-2- 3).

Conforme previ em um artigo no Caderno de Informática da "Folha de São Paulo", essa expansão, que estava apenas se esboçando, se transformaria numa área industrial e de serviços de grande porte. Dito e feito. Hoje em dia, o valor global agregado de software de um microcomputador com um "enxoval" mínimo de aplicativos, já é praticamente igual ao valor do hardware. Dentro de alguns anos, deverá ultrapassá-lo. Isso não é pouca coisa, se imaginarmos que são vendidos cerca de 100 milhões de microcomputadores por ano, em todo o mundo !

A grande responsável por isso é a estabilidade fortíssima da plataforma Wintel (Windows + Intel), nos quais os mesmos programas podem ser aproveitados de forma transparente para o usuário, quando ele migra de um 286 para um 386, 486, Pentium, etc. Outra boa plataforma também é o UNIX, só que não é de massa como a da Wintel. Também podemos afirmar, sem sombra de vida, que o surgimento de GUI's (Graphical User Interface, ou interface gráfica de usuário) como o Windows 3.1 apressaram e consolidaram esse processo, por uniformizar o aspecto e a funcionalidade dos programas, e por facilitar o treinamento e a aculturação dos usuários noviços.

Será que a padronização excessiva é boa ? Como já tive a oportunidade de discutir isso em outras colunas, o domínio absoluto de um padrão que pouco muda (a não ser quantitativamente), como o Wintel, inibe o progresso técnico da microcomputação. Isso parecia estar acontecendo, até que surgiu a Internet, o Java, etc.

Mas esta uma outra história....


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
WWW: http://home.nib.unicamp.br/~sabbatin Jornal: cpopular@cpopular.com.br

Copyright © 1996 Correio Popular, Campinas, Brazil