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A grande fusão

Renato Sabbatini


Na segunda semana de janeiro de 2000, o mundo dos negócios foi abalado por uma notícia com força de terremoto grau 9 na escala Richter. A maior empresa de Internet do mundo, a America On-Line, anunciou a compra da maior empresa de mídia tradicional do mundo, a Time-Warner, pela bagatela de 166 bilhões de dólares.

É muito dinheiro. A empresa resultante da fusão será gigantesca, com um valor de mercado total de 320 bilhões de dólares e um faturamento anual de 30 bilhões. Para se ter uma idéia, o valor de mercado da AOL Time-Warner será de cerca de 50% do Produto Nacional Bruto do Brasil, que é a décima economia do mundo, e corresponde ao ativo total das 500 maiores empresas privadas brasileiras. O faturamento bruto anual é igual ao da Petrobrás, a maior empresa brasileira em vendas, e uma das 100 maiores empresas do mundo. Detalhe: o patrimônio da Petrobrás é de "apenas" 18 bilhões de dólares...

O mais impressionante é que o novo conglomerado praticamente vende apenas dois tipos de coisas, típicas da Nova Economia: informação e meios de acesso à informação. Só para lembrar: a Time-Warner é dona de revistas (como a Fortune, People, Sports Illustrated, Life, Time...), editoras, gravadoras, produtoras de TV e cinema (Warner Brothers, HBO, TNT, Cartoon Network, CNN). Tem também a segunda maior rede de TV a cabo dos EUA, com 13 milhões de assinantes. A Time-Warner é resultante de duas fusões bilionárias: entre a Time e a Warner, em 1990 (ambas empresas foram fundadas em 1923), e depois entre a Time-Warner e a CNN. Competindo com ela, somente a nova empresa que resultará da fusão entre a Viacom (dona, entre outras coisas, da Universal Studios) e a CBS, uma das três maiores redes de TV dos EUA.

Já a America On-Line é o maior provedor de acesso à Internet do mundo, cobrindo 15 países, em 7 linguagens, com um total de 20 milhões de usuários (já está presente no Brasil, também). É dona de algumas marcas e produtos ultraconhecidos, como Netscape, CompuServe, ICQ e Winamp (o software para trabalhar com músicas em MPEG3), para citar o mínimo. É uma empresa enormemente lucrativa, por se situar no mercado de serviços de informação. Comparando novamente com a Petrobrás, a AOL teve em 1999 praticamente o mesmo lucro líquido (780 milhões de dólares) que a Petrobrás. Detalhe: esse lucro foi obtido com apenas 4,8 bilhões de faturamento bruto, contra 30 bilhões da Petrobrás! É o negócio do futuro, realmente. Seu lucro líquido chega a ser quatro vezes maior do que a Time-Warner, apesar desta empresa ter um faturamento bruto de 25 bilhões. É a prova cabal que a nova mídia on-line está vencendo em relação às mídias tradicionais, como rádio, TV e imprensa. E olhe que a AOL não trabalha diretamente com comércio eletrônico, como a Amazon, que apenas neste Natal vendeu 20 milhões de itens e faturou 2 bilhões de dólares!

A fusão mostra que o preço de entrada para ser um dos principais ganhadores no mundo da Internet está aumentando cada vez mais. Mostra também que a tão apregoada "convergência", ou seja, o uso de um único veículo para Internet, TV, rádio, telefone, etc., está se aproximando mais rápido do que se imagina. Através da nova empresa, a Time-Warner vai poder difundir todo o seu imenso conteúdo em papel, rádio, TV, cinema, etc., através da Internet de banda larga. A AOL, por outro lado, vai ter o tão ambicionado acesso residencial, o famoso "local loop", através da TV a cabo, a milhões de residências, empresas, escolas, hospitais, etc. Com a poderosa união (que deve levar a outras, da concorrência), fica claro que a Internet será a mídia dominante num futuro muito próximo. O presidente da AOL, Steve Case, declarou: "Este é realmente um momento histórico. Esta fusão lançará a próxima revolução da Internet".

Ele está se referindo, evidentemente, à Internet 2, ou de banda larga ("broadband"), sobre a qual já tive a oportunidade de me referir em artigos anteriores. Entre outras coisas, será possível oferecer vídeo sob demanda através do mesmo cabo que fornece a transmissão em "broadcasting", unindo as duas mídias, Internet e TV. A interatividade de mídias que hoje são essencialmente unidirecionais, como a TV e o rádio, aumentará enormemente, possibilitando inúmeras formas de exploração comercial, como o comércio eletrônico. O potencial para educação e entretenimento é enorme, como se pode imaginar. Outra aplicação revolucionária é a personalização do acesso, que hoje é perfeitamente possível na Internet, mas que ainda não existe nas mídias tradicionais.

Como disse o presidente da Time-Warner, em uma entrevista na concorrente NBC: "trata-se de uma plataforma para o teste de novas idéias [...] É também claro que a nova empresa reconhece o seu compromisso social que essa convergência irá alavancar".
 

Para Saber Mais

 



Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 14/1/2000 .
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