Renato Sabbatini
Muitos leitores do Correio Popular devem ter visto a notícia que alguns provedores gigantescos de informação da Internet, como o Yahoo! e lojas virtuais, como a Amazon, sofreram um grave "ataque cibernético" contra seus computadores ligados à rede. Esse ataque, realizado por pessoas ou grupos ainda não identificados, partiu simultaneamente de milhares de computadores em todo o mundo, e colocou fora de ação todos os serviços por várias horas, gerando enormes prejuízos.
O fato é extremamente significante,
por vários motivos. Todo mundo sabe que a Internet está revolucionando
as relações sociais e econômicas, a tal ponto que já
se fala em uma "nova economia", em uma "sociedade da informação",
etc. O ponto focal dessa revolução tem sido os Estados Unidos,
não só porque é o país onde a Internet foi
inventada, mas também porque é lá que surgem as principais
idéias e inovações calcadas nessa nova e intrigante
realidade de uma teia virtual, que estende seus fios a todos os cantos
do globo terrestre.
Para quem é leigo em matéria
de computação, a Internet parece ser apenas uma forma de
interconectar computadores distantes uns dos outros. Mas ela não
é só isso. Em virtude de sua magnitude e extensão
(atualmente tem cerca de 50 milhões de computadores interligados,
em praticamente todos os países do mundo, e mais de 200 milhões
de usuários. O crescimento da Internet é astronômico:
mais de 300 mil novos usuários por dia, e um volume de informação
que está dobrando de tamanho a cada 100 dias), a Internet permite
coisas que a humanidade nunca sonhou, para o bem e para o mal.
O ataque em questão, e os seus alvos, mostram toda essa potencialidade absurda da Internet. Para os leitores não técnicos, vou explicar em linguagem de gente. Quando uma loja eletrônica "abre suas portas" na Internet, isso significa que ela tem, em um computador ligado permanentemente à rede, um catálogo de todos seus produtos que estão à venda. A Amazon, por exemplo (a maior do mundo), oferece cerca de 4 milhões de titulos de livros e 1 milhão de títulos de CDs, entre outras coisas. Aqui está a primeira diferença com o mundo físico: uma livraria comum (os especialistas da Internet a chamaria de uma "loja de alvenaria") nunca teria tantos títulos assim, pois o investimento em estoque seria grande demais, além, é claro, do espaço físico necessário para armazená-los. A maior livraria de alvenaria do mundo, que está em Londres, tem menos de 500 mil títulos em um único prédio. A Amazon, evidentemente, tem que ser capaz de entregar qualquer um desses títulos ao freguês que o encomendar, dentro de um prazo razoável.Mas, para isso, não precisa nem ter o livro em estoque (na realidade, não precisa ter nenhum em estoque!). Basta entrar em contato com a editora do título e pedir para que o mesmo seja enviado. Por questões de eficiência e velocidade, é claro, a Amazon e outras lojas eletrônicas mantém um certo estoque próprio (a Amazon tem nove depósitos espalhados pelos EUA e um na Europa).
Pois bem, como qualquer computador ligada à Internet em qualquer lugar do mundo precisa apenas entrar no endereço eletrônico da Amazon para iniciar uma compra (http://www.amazon.com), esta loja está, de fato, simultaneamente presente em todos os países e todas as cidades, bairros, casas, empresas e negócios que hoje têm acesso à rede. E mais: sem ter a necessidade de investir um centavo sequer para expandir sua rede de negócios para mais países, cidades, bairros, etc. Por si só, isso já é uma revolução em si, pois rompe a lógica do mundo dos negócios que necessitam da presença física. Imaginem, por exemplo, a magnitude do investimento que uma Livraria Saraiva ou Siciliano teriam que fazer para ter uma rede de lojas de alvenaria com tal distribuição.
O segundo aspecto é que todos os
processos de marketing e comercialização, até o ponto
em que o livro tem que ser fisicamente enviado ao comprador, se processam
de forma inteiramente automática, eletronicamente. Não
existem, e nem precisam existir, correio, papelada, carimbos, gaveteiras
de arquivos, listas de vendas, notas fiscais, bem como a maioria dos empregados
que seria necessário ter nessa cadeia de processamento. O comprador
simplesmente entra na Internet, seleciona os produtos que deseja comprar,
a partir do catálogo visualizado na tela, e fornece os dados para
envio e pagamento, como seu nome e endereço, cartão de crédito,
etc. Em poucos dias, os bens adquiridos são entregues. É
tão simples e conveniente, que não é a toa que se
está prevendo que o comércio eletrônico via Internet
estará gerando mais de um trilhão de dólares em 2001.
Tão simples e conveniente, que
se torna um alvo fácil para os bandidos do ciberespaço, que
podem ser desde adolescentes ávidos de atenção, até
concorrentes despeitados, ou terroristas radicais.
O ataque que ocorreu esta semana é tão fácil de montar quanto difícil de detectar quem foi que fez. O ciberbandido simplesmente enviou cerca de 1 bilhão de pedidos de compra ou de informação por minuto (literalmente), de tal forma "afogando" os computadores do provedor, que eles entraram em colapso. Como ele (ou eles) foi capaz de fazer isso? Enviando cópias de um pequeno programa (software), chamado de "metralhadora", para outros milhares de computadores ligados à rede. Todos são ativados ao mesmo tempo, em uma hora predeterminada. Como cada um é capaz de enviar cerca de dez mil pedidos por minuto, o resultado somado de todos é astronômico. O mais interessante é que a coisa é próxima do crime perfeito, pois essas pessoas conseguem apagar totalmente o endereço do primeiro computador (o controlador) que deu a ordem para os demais.
Evidentemente, existem muitas defesas contra esse tipo de coisa, todas elas eletrônicas. No entanto, o fato disso ter acontecido com os "sites" mais bem protegidos do planeta é altamente preocupante, e coloca em risco toda essa nova economia. A Internet amplia de maneira extraordinária os benefícios da conectividade, mas também abre as portas para inimagináveis maldades e contravenções...
Veja também: Índice
de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no
Correio Popular.
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 18/1/2000
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