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Calhambeques em órbita

 

Renato Sabbatini

O mundo tecnológico entrou em estado de choque quando faliu a Iridium, a primeira companhia global de telefones celulares via satélite. A empresa anunciou que iria derrubar de órbita os seus mais de 60 satélites, pois é mais cara a sua manutenção do que a desativação. Os satélites Iridium são de baixa órbita, ou seja, precisam voar a 10% da altitude dos satélites de comunicação geossincrônicos, para poderem ser utilizados por telefones portáteis. Com isso, sua vida é limitada: embora tenha custado mais de 5 bilhões de dólares ao consórcio Iridium colocar esses satélites no ar, o que não tinha sido tornado claro pela empresa é que eles teriam que ser substituídos a cada cinco anos! Isso ocorre porque a força da gravidade, mais forte em órbitas mais baixas, afeta a estabilidade dos satélites, tornando-os inúteis.

Além disso, o sistema foi prejudicado por falhas técnicas e de marketing desde o começo. Os telefones portáteis eram grandes e caros demais, e não funcionavam dentro de edifícios. A tarifação por minuto era absurdamente cara. As vendas foram cinco a dez vezes inferiores às previsões, pois antes mesmo do Iridium começar a funcionar, tornou-se possível utilizar um telefone celular comum em praticamente qualquer parte do planeta, graças a padrões internacionais de telefonia, e aos acordos de "roaming" entre operadores de vários países. A "Wired", uma revista americana de tecnologia, chamou o sistema Iridium de "Edsels in the Sky", uma referência sardônica aos famosos carrinhos populares da Ford, na década dos 50, que eram verdadeiros calhambeques desatualizados tecnologicamente, e que foram um tremendo fracasso de vendas, por pouco não derrubando a Ford.

Resultado: somente nos dois primeiros semestres de operação, a Iridium perdeu mais de um bilhão de dólares. Tudo isso é um monumento à incompetência e à falta de bom senso dos investidores que acreditaram que a empresa Iridium um dia fosse dar certo e fazer dinheiro. Qualquer pessoa medianamente inteligente que fizesse as contas (gastos operacionais de quatro bilhões de dólares por ano, mais cinco bilhões de dólares a cada cinco anos para renovar os satélites), chegaria à conclusão que a coisa nunca daria certo. No entanto, empresas gigantescas, como a Motorola, não viram isso, e enterraram bilhões e bilhões na Iridium, perdendo praticamente tudo.

Apesar disso, outras empresas insistem que o modelo de telefonia celular via satélite ainda vai dar certo. Pouco tempo depois da Iridium falir, entrou em operação a GlobalStar, que usa um sistema semelhante, com seus próprios satélites. O primeiro negócio da GlobalStar foi absorver os usuários órfãos da Iridium, como aconteceu no Brasil e no Canadá, os dois primeiros países a oferecerem o serviço. No Brasil, a Iridium trocou de graça os telefones dos seus usuários pelos da GlobalStar.

Ao que parece, no entanto, a GlobalStar está seguindo o mesmo caminho desastroso da Iridium. Nos primeiros três meses de operação, faturou apenas 600 mil dólares, o que, convenhamos, é muito pouco para um sistema que estimadamente custou mais de 3 bilhões de dólares para montar. Seus executivos juram que as vendas irão melhorar em julho, quando 50 novos países terão assinado acordos operacionais com a GlobalStar. Mas, embora seus sistemas de comunicação sejam tecnologicamente mais modernos e avançados do que os da Iridium (a GlobalStar vai oferecer acesso à Internet via satélite, por exemplo), a velocidade alucinante de progresso dos sistemas de redes digitais em terra, e a queda constante dos custos, irá sem dúvida torpedear mais uma iniciativa que parecia ser uma boa idéia, mas que se transformou em um pesadelo econômico para seus financiadores.




Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 2/6/2000 .
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