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Crimes na Internet e leis internacionais

Renato Sabbatini

Quando Onel de Guzmán, o jovem "hacker" filipino que perpetrou o vírus de computador mais destrutivo da história, o "ILoveYou" (na realidade um "worm" e não um vírus), admitiu a sua culpa e o governo o indiciou em inquérito policial, o mundo da tecnologia respirou aliviado. Afinal, o crime não ficaria sem castigo. O presidente das Filipinas logo em seguida assinou uma lei bastante severa contra crimes eletrônicos, e parecia que Guzmán seria condenado.

Mas nada aconteceu. A nova lei, feita especialmente para fraudes com cartões de crédito, ou ataques contra instituições financeiras, não penaliza atividades ilegais, mas sem ganho financeiro para o contraventor, como parece ser o caso de Guzmán (ele conseguiu provar que não teve nenhum ganho com isso, e justificou a tragédia como tendo sido "acidental"). A coisa vai acabar em pizza, pelo visto, e as milhões de pessoas em centenas de países que foram irremediavelmente prejudicadas pelo "hacker", ou que perderam muito tempo e dinheiro, vão ficar sem reparações, pois o crime nem sequer é extraditável.

Como a Internet é global, estão surgindo problemas legais insuperáveis, dificilimos de resolver. São poucos os países que têm leis contra o crime eletrônico, e a maioria deles é cometido fora de suas fronteiras (por exemplo, um rastreamento recente na Alemanha comprovou que 80% deles foram iniciados em outros países, principalmente nos EUA e Rússia). O direito internacional manda que o acusado seja primeiro processado em seu país de residência: isso já é difícil com a ausência de leis específicas, que definam a natureza do crime. Em segundo lugar, se seu crime atinge outros países, ele teria que ser extraditado para cada um deles, para ser processado de acordo com a forma legal em cada um. Tratados de extradição de nacionais são uma raridade.

Conclusão: praticamente não existe punição possivel contra crimes transfronteiras, e isso vai incentivar enormemente a prática criminosa eletrônica. É uma situação totalmente nova, sem precedentes, e também sem muitas soluções à vista. A proposta dos especialistas é que se estabeleça um sistema de leis internacionais, mas isso funcionou no passado só em alguns casos extremos (como os crimes de guerra da Bósnia), ou quando as sanções são em nivel de país (como acontece nas contendas de comércio internacional, na OMC).

A situação é feia, e só vai piorar, à medida em que a Internet se expandir e atingir uma parcela cada vez maior dos países e da população mundial. Serão literalmente centenas de milhares de Guzmáns à solta…



Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 27/10/2000 .
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