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Porque as Pontocoms Falham

Renato Sabbatini

A Internet está crescendo cada vez mais. As últimas estatísticas mostram que o número de brasileiros que acessam a grande rede quase que dobrou em um ano, atingindo a marca dos 14 milhões em outubro de 2000. O comércio eletrônico ainda é uma fração desprezível do volume de venda de bens e serviços do País, mas está ficando cada vez mais significativo (já temos várias empresas "pure-play", ou seja, que só comercializam pela Internet, como o Submarino e a Dell. Outras, como as Lojas Americanas, aliam com sucesso suas operações no mundo real e no mundo virtual.
 
Então porque tantas empresas da "nova economia", as famigeradas "pontocoms" estão falindo?
 
Para quem acompanha, mesmo de longe, o cenário, um motivo parece ser bastante evidente: secou a fonte de financiamento para um modelo essencialmente perdulário e fora da realidade. Até abril deste ano, mais ou menos, o modelo aceito pelos empresários e investidores era o seguinte: qualquer idéia maluca de empresários geralmente jovens e inexperientes, recebia um monte de dinheiro de investidores institucionais (fundos de capital de risco, em geral). A esperança não era a empresa fazer lucro, como seria normal em qualquer economia, mas sim "valorizá-la", para que, quando fosse feito um lançamento público de ações, elas subissem absurdamente de valor em poucos dias. Os investidores de risco, então (e, supostamente, alguns felizardos empreendedores) pulavam fora, levando seu dinheiro, lesando um monte de trouxas que compraram ações, e provocando o despencamento das mesmas. A empresa, largada à sua própria sorte, terminava de gastar o capital inicial recebido, e morria. É o que ainda está acontecendo aos montes, mas os investidores também já perceberam que o risco aumentou muito, e não querem mais entrar.
 
Esse infeliz modelo, baseado em manipulação de ações, e não em um investimento real, a longo prazo, na produção de valores mercantilizáveis, está afetando em muito o desenvolvimento da Internet no Brasil. Sim, porque é evidente que o futuro da Internet é brilhante em todos os aspectos. É impossível imaginar que não vá dá certo.

O problema é achar um modelo de ganhar dinheiro, pois a Internet nasceu como uma rede de intercâmbio de informação acadêmica, livre e gratuita, onde a moeda de troca não era dinheiro, mas sim direito de passagem na rede, e informação. O usuário da Internet acabou se acostumando a uma situação que não tem paralelo no mundo real, que é consumir informação de graça, mas sem o önus da propaganda (como acontece na TV e na rádio abertas), e que não aceita, em geral, pagar por assinaturas (como acontece com jornais, revistas e livros), e nem pela conectividade (como acontece com o telefone).

É por esse motivo que as empresas baseadas em conteúdo puro vão todas morrer, mais cedo ou mais tarde.

Tem até gente que acha que essa tal de nova economia não é tão nova assim, e alguns duvidam até que ela realmente exista, como um novo paradigma. A Internet passa a ser vista apenas como mais um canal de marketing e vendas de produtos e serviços, em adição aos canais tradicionais, baseadas em empresas de "tijolo e alvenaria". Com poucas exceções, serviços e produtos exigem entrega física, o que causa, os problemas e os custos da logística (termo emprestado do jargão militar, que significa organização do movimento de coisas físicas). Empresas tradicionais já sabem fazer isso há muito tempo, portanto basta elas quererem entrar na Internet que terão uma vantagem imensa em relação às "pontocoms", ou empresas puramente na Internet.

No entanto, até mesmo as "pontocoms" que acharam nichos realmente novos, como a venda de softwares, música digital e conteúdo multimídia (que são produtos de informação pura, e não necessitam de entrega física, podendo ser descarregados pela própria rede) estão tendo dificuldades de gerar lucro.

E porque, se a idéia é tão boa, e a forma de comercialização tão conveniente para todo mundo? Uma empresa desse tipo praticamente não precisa de gente nem de prédios e galpões, não precisa manter estoques, e a operação é praticamente automática.

Mas a coisa não é bem assim. É preciso planejar cuidadosamente e entender como funciona o bizarro mundo da Internet para fazer sucesso. A primeira lição é que a empresa deve se preparar para ser global, pois os clientes podem aparecer literalmente de qualquer parte do mundo, e ela deve tentar de tudo para não perdê-los, mas não a um custo maior do que a renda que eles vão gerar.

A segunda lição é que as leis do marketing do mundo "normal" simplesmente não funcionam na Internet: anúncios, por exemplo, têm retorno muito pequeno. Milhões de visitantes não significam automaticamente milhares de vendas: a relação não é tão matemática assim, e depende de muitas outras coisas, como a facilidade de usar o site e a desejabilidade do produto. Outras lições importantes que podem ser lembradas são: os custos geralmente são muito maiores que se imagina. Em outras palavras, uma boa idéia pode ter dezenas de concorrentes, e a Internet permite ao cliente em potencial chegar a esses concorrentes tão facilmente quanto a você. É preciso investir o tempo todo para garantir que seja o seu endereço a ser visitado, e não outro qualquer.

Se tudo isso fosse tão fácil, a maioria das "pontocoms" não estaria fechando ou enfrentando dificuldades de sobreviver...
 

Para Saber Mais


Sabbatini, R.: A economia esdrúxula da Internet. Correio Popular, Caderno Cosmo, 31/3/2000 e 21/4/2000

 


Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 3/11/2000 .
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