Porque os computadores são tão difíceis de usar ? Um dos motivos é que é antinatural, para os seres humanos, usar o teclado e o mouse. Para nós, o meio de comunicação mais natural que existe é a voz. Assim, os futurólogos da Informática há muito tempo vêm anunciando que a interface dos computadores será inteiramente baseado no reconhecimento automático da fala. Só que essa profecia não se realizou até agora, devido às enormes dificuldades técnicas de se desenvolver um software que seja realmente confiável e independente da voz do locutor. E existem especialistas que duvidam que isso venha a acontecer em um futuro próximo, pois, para entender frases faladas à velocidade normal ou acima do normal, com 100 % de certeza, nem o ser humano é capaz. É preciso ter inteligência e cultura, para resolver problemas de compreensão criados pelo contexto em que a palavra é enunciada, para citar apenas uma das dificuldades.
Em conseqüência, muitos centros de pesquisa estão investigando a possibilidade de usar outros meios de comunicação entre o ser humano e o computador. Uma alternativa que era considerada apenas domínio da ficção científica, que é a comunicação direta entre o sistema nervoso e os circuitos eletrônicos do computador, está começando a se tornar realidade, graças a diversas descobertas e invenções nos últimos dois anos.
O cérebro é um dispositivo elétrico, ou seja, a atividade cerebral é acompanhada de alterações, ou sinais, elétricos, que são gerados nas células básicas do sistema nervoso, os neurônios. Esses potenciais elétricos, como são chamados, são extremamente pequenos (da ordem de 100 milionésimos de volt, quando captados por eletrodos colados na pele), mas podem ser amplificados por dispositivos eletrônicos sofisticados. Os músculos também geram essa atividade elétrica, quando são acionados. Assim,. uma interface simples seria colar alguns eletrodos em pontos determinados do corpo, e acionar um mouse através dos sinais elétricos captados. Um grupo de pesquisa dos EUA desenvolveu uma interface desse tipo para crianças com paralisia cerebral completa. Elas são incapazes de movimentar de forma coordenada os músculos dos braços, pernas e mãos, mas geralmente não têm dificuldades em movimentar corretamente os olhos. Assim, eletrodos colocados nas partes laterais da face, próximas aos olhos, são capazes de transmitir para o computador qual é a direção em que a pessoa está olhando na tela de vídeo. A interface,então, é capaz de deslocar um cursor sobre a tela, obedecendo os movimentos dos olhos ! Com algumas horas de treinamento, qualquer pessoa consegue movimentar o cursor apenas com os olhos, dentro de um arco de 30 graus.
Outras atividades elétricas cerebrais acompanham muitos fenômenos mentais, e podem ser utilizadas para comandar diretamente os computadores. Quando um objeto visual pisca na tela, por exemplo, a atividade elétrica captada na parte posterior da cabeça (córtex occipital), que é a área responsável pela visão, também pulsa em sincronismo com a freqüência do flash. Isso permite, por exemplo, que a pessoa apenas precise fixar a visão na palavra ou desenho piscante, que o computador automaticamente "entendará" que é aquela opção que a pessoa deseja escolher na tela.
Um outro grupo de pesquisadores da Universidade de Utah, trabalhando com próteses biomecânicas inteligentes (ou seja, braços artificiais motorizados, que podem ser comandados pelo próprio paciente), descobriram como treinar a pessoa a modificar sutilmente a atividade elétrica nos nervos do coto de amputação, de modo a comandar a prótese. A experiência desses pesquisadores está agora começando a ser utilizada pelas empresas que desenvolvem aparelhos de videogame, para projetar os sistemas do futuro. Aliás, uma delas, a Sega, desenvolveu uma banda sensora, que se coloca ao redor da cabeça, pouco acima das sobrancelhas, que é capaz de detectar os movimentos dos olhos, e, portanto, comandar a ação em um videogame.
Mas, as novidades mais chocantes nesse campo são as interfaces cérebro-computador capazes de detectar alguns tipos de pensamento do usuário. Cientistas descobriram que, toda vez que temos a intenção de realizar um movimento, o cérebro apresenta uma variação elétrica em áreas determinadas, que receberam o nome de "ondas S-300", por ocorrerem cerca de 300 milissegundos antes do ato motor. Diferentes ondas S-300 ocorrem, de acordo com o ato motor que se antecipa. Assim, podemos imaginar que, se o usuário de um neurocomputador desses, pensar que está com vontade de acionar um determinado programa, essa intenção poderá ser detectada pela interface neural, e usada para comandar a execução do programa.
Um grupo de cientistas japoneses também conseguiu treinar um computador a reconhecer, através de ondas cerebrais registradas, se o usuário estava pensando a palavra "sim" ou a palavra "não". Embora o programa não fosse muito confiável pois acertava somente 60 % das vezes, e "confundia" muito com outras palavras pensadas pelo usuário, definitivamente existe a possibilidade de um grande progresso nesta área, a medida que os cientistas começarem a entender como o cérebro codifica a informação visual e auditiva.
Pra muita gente, parece "coisa do demo". Mas eu não tenho dúvidas de que, dentro de algumas décadas, a comunicação direta entre o cérebro e o computador será bastante comum, principalmente quando o computador não puder ser utilizado por vias "normais" (por exemplo, o computador de bordo de um automóvel).
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 17/12/96
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