Se o leitor ficou intrigado com o título e resolveu ler a coluna, ótimo. Era minha intenção mesmo, e essas palavras algo arrevezadas, todas começando com N, com um ligeiro ar poético, formam um conjunto agradável do ponto de vista estético e provocativo do ponto de vista intelectual, e que me dão a oportunidade de explicar alguns conceitos que tem estado ricocheteando dentro de meu crânio faz algum tempo...
Noosfera, segundo a definição de uma enciclopédia chamada Principia Cybernetica, quer dizer: “a totalidade da informação e do conhecimento humano coletivamente disponível para a humanidade, e os processos que operam nesse espaço". É um termo modelado a partir de atmosfera (o espaço de gases que envolve um corpo celeste), biosfera (o espaço ocupado por seres vivos), etc.
Pois bem, a definição é bastante genérica, o que pode dar existência à noosfera praticamente desde a invenção da imprensa por Gutemberg, quando se tornou possível a replicação barata do conhecimento. Na realidade, o termo original tinha um sentido mais espiritual (algo como a rede cósmica das consciências individuais), e foi inventado pelo padre católico, cientista e filósofo Pierre Teilhard de Chardin, na década dos 40s. Mas ele adquiriu relevância com o surgimento da Internet, que é um assunto que eu, de vez em quando, discuto nessa coluna (só para não deixar o tema segregado, coitadinho, à minha outra coluna para o Correio Popular, que sai às terças-feiras no Caderno de Informática deste vibrante diário).
A Internet é o arquétipo e a implementação tecnológica final da noosfera, com seus quase 20 milhões de computadores interligados, quase 100 milhões de usuários (dizem que serão meio bilhão até o final do século), 60 milhões de documentos, imagens, filmes e sons, disponíveis a partir de qualquer ponto do mundo, em questão de minutos. Nunca, antes dela, tinha sido possível, através da demanda por parte do consumidor de informação, ter acesso a esse verdadeiro “envelope” de informação, que agora se difunde por todo o mundo, carregado por elétrons. A TV não se classifica, pois eu não tenho controle sobre sua programação (ela é, tecnicamente, uma emissão unidirecional, enquanto que a Internet é interativa e navegável. O mais perto que eu chego de “navegar” na TV ou no rádio é “zapear” com o controle remoto, ou virar o dial, mas isso é um método algo primitivo de achar informação, convenhamos, mesmo em uma era em que temos mais de 500 canais de TV a cabo ou satélite...).
Bom, a coisa pode parecer muito estratosférica, mas é uma realidade palpável, instigante, demolidora de paradigmas. Dou um exemplo: outro dia estava eu a procura de informação sobre a antiga e fraudulenta arte da frenologia (meus leitores contumazes devem se lembrar de um artigo que escrevi a respeito). É uma pseudociência, criada por um senhor Franz Joseph Gall, no século passado, que tenta descobrir as características mentais e emocionais de uma pessoa com base no tamanho das protuberâncias externas do seu crânio. Entrei na Internet, e em um índice eletrônico chamado HotBot (que quer dizer “robô quente”), digitei a palavra “phrenology” e esperei algo em torno de 20 segundos, após os quais obtive uma listagem com exatos 3.740 documentos sobre frenologia, disponíveis em mais de 20 países. Em questão de uma hora, tinha localizado e lido praticamente tudo o que eu queria saber, ou não, sobre frenologia, incluindo dezenas de ilustrações, textos históricos e biográficos, coleções de estatuetas com o mapa das tais protuberâncias, para vender por cartão de crédito, etc. Inclusive, para meu deleite e espanto, achei um local na Holanda onde ainda se cultua a frenologia como ciência verdadeira, e que tem ainda milhares de seguidores em todo o mundo (mais ou menos como a terapia dos cristais e outras criativas mas totalmente inúteis invenções alternativas). Quanto mais se vive, mais se aprende !
Está aí demonstrado, de forma bem viva, o conceito da noosfera. Navegando pelos artigos que consegui achar, por sua vez, acabei me perdendo inteiramente, pois comecei a achar coisas fascinantes e deleitáveis sobre lobotomia, desenhos anatômicos de Leonardo da Vinci, história da psiquiatria, prêmios Nobel, um museu de equipamentos médicos inúteis, o catálogo de Biblioteca do Congresso, fofocas sobre Jack Nicholson, o diário da viagem de Darwin, um ensaio sobre Frankenstein e porque o filme não presta, etc. Tudo um assunto puxando o outro.
Passei o carnaval assim, senhores e senhoras, insone nas madrugadas, e é exatamente aí que residem a maravilha e o perigo da tal de noosfera cibernética...
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,.13/02/1997
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br