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Big Brother hoje

Renato Sabbatini

Muito já se especulou sobre como teria sido a ditadura nazista se Hitler e seus asseclas tivessem acesso à tecnologia avançada de informática que temos hoje. Um escritor inglês, George Orwell, escreveu um livro que se tornou um clássico das distopias (o contrário de utopia), intitulado "1984". O livro foi escrito em 1936, e tentava imaginar, em forma de romance, como seria a sociedade 50 anos depois. Uma das coisas que mais impressionam no livro é a idéia de um ditador anônimo e sem face, dirigindo com mão de ferro uma sociedade totalitária, opressiva, totalmente dominada por uma elite tecnologicamente avançada (conforme o que Orwell imaginava ser possível na época), chamado Big Brother (Grande Irmão). Ele estava presente em toda a parte, inclusive nas casas, ouvindo tudo, e detectando qualquer desvio subversivo. Não ficava implícito se a tecnologia utilizada era o computador (que já existia em forma de protótipo, quando o livro foi escrito), mas o livro deixou um grande legado para todos os escritores e ativistas sociais que se colocaram, nos anos subsequentes, contra o perigo representado pelos computadores para a privacidade das pessoas, e de seu uso por sociedades totalitárias para o controle dos cidadãos e a supressão das liberdades individuais.

Orwell se inspirou nas ditaduras nazista e stalinista para compor o livro. Hitler havia instaurado, ao assumir o governo, o Aufenthalterlaubnis, que significa "autorização para residência". Este sistema (que, curiosamente, continua a ser praticado até hoje na Alemanha, não tendo sido cancelado por nenhum dos governos democráticos pós-guerra), restringe a livre circulação dos cidadãos entre as cidades do país. Ao se mudar para uma cidade, a pessoa precisa preencher um formulário solicitando a permissão, que é entregue e analisada pela chefatura de polícia do município. Deste modo, é facilimo seguir o percurso de uma pessoa pelo país, e saber onde ela esteve ou está em um determinado momento (pouquissimos países democráticos têm um sistema semelhante). O potencial de mau-uso por autoridades é evidente. Se todos os registros forem unificados, um computador pode determinar, em questão de segundos, muita coisa sobre a vida de qualquer pessoa na Federação. Dizem, aliás, que foi assim que a BKA (Bundeskriminalamt, o FBI da Alemanha) conseguiu acabar com o movimento terrorista dos anos 70, a RAF (Rote Armee Fraktion).

Na verdade, pouca gente sabe que os nazistas realmente utilizaram as tecnologias mais sofisticadas de informação existentes na época, que eram as máquinas tabuladoras baseadas em cartões perfurados. Essas máquinas foram inventadas por um americano chamado Herman Hollerith, no final do século XIX, e eram fabricadas e vendidas pela IBM (International Business Machines), na era pré-computador. Como a IBM tinha sido proibida de operar legalmente no Terceiro Reich, uma subsidiária alemã, chamada DEHOMAG AG (Deutsche Hollerith Maschinen Aktiengesellschaft) fabricava toda a linha da IBM.


Dehomag D11: um sofisticado sistema de cômputo sequencial
automático baseado em tabulador de cartões perfurados
Fonte: Museu do Holocausto, Washington, DC.
 

Os arquitetos do Holocausto, por exemplo, utilizaram um sofisticado sistema de registro e acompanhamento dos 500.000 judeus alemãos, para implementar e registrar a perseguição sistemática de que foram vítimas, através das chamadas "Leis de Nuremberg". As máquinas tabuladoras permitiam acompanhar e fazer estatísticas completas da "Solução Final" (Endloesung), como foi chamado por seus criadores, eufemisticamente, o holocausto judeu na II Guerra Mundial. Aliás, diga-se de passagem, isso não quer dizer que a IBM aprovasse o uso das máquinas de sua invenção para essa aplicação, mas que eles lucraram com isso, lucraram (e não foi a única das empresas ocidentais a fazer isso. Suspeita-se, até, que a DEHOMAG, da mesma forma que centenas de empresas alemãs, utilizou trabalho escravo de prisioneiros de guerra e de consciência).

Já se passaram 10 anos desde a data imaginada por Orwell. O que ele não previu é que, na era da Internet, o Big Brother virou piada. É o anti-Big Brother, pela sua natureza democrática, distribuída, e iconoclasta. Na China, um país totalitário, o governo quer exercer controle sobre o material distribuído pela Internet. Não vai conseguir, evidentemente. Quando chegar a Internet via satélite (PC Direct) e telefone celular, então, isso vai ser totalmente impossível.

E isso vai ser muito bom !

Para Saber Mais






Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 11/03/1997.

Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br

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