Aos poucos, e à medida que mais e mais pessoas participam da Internet, a gigantesca rede global de computadores fica parecida com uma sociedade de verdade. Até já existe o termo "netcitizen" em inglês, ou cidadão da Net. E, como toda sociedade humana, a Internet passa a ter regras sociais, implementadas por mecanismos muitos semelhantes. Ainda não existe uma polícia da Net, ou um sistema de justiça para resolver litígios, penalizar crimes, etc., mas na minha opinião é apenas uma questão de tempo que tudo isso venha a ser instituído.
Um exemplo muito interessante a ser estudado é o do "spam" ou email não solicitado, que está se tornando uma praga da Internet (veja um artigo anterior que escrevi sobre o tema, aqui no Caderno de Informática, e que está disponível em http://www.epub.org.br/correio). As empresas e indivíduos que enviam propaganda por mala direta pelo correio eletrônico dispõe hoje de ferramentas poderosas de software, que permitem lançar centenas de milhares de mensagens por hora. O pior é o efeito multiplicador conseguido pelos "newsgroups" (grupos de notícias, distribuidos por um serviço chamado USENET) e as listas de discussão. Mandando uma única mensagem de "spam" para uma lista tem o poder de distribui-la automaticamente para todos os seus assinantes, se a lista ou o grupo não forem moderados, ou seja, com a sua distribuição controlada por alguém (a maioria não é, porque dá muito trabalho. Isso eu conheço bem, pois sou moderador de três listas de discussão na Internet). Não existe coisa mais irritante, pois o spam vai totalmente contra o espírito das listas e dos grupos, que são semelhantes a uma conversa on-line. É como se um chato entrasse no meio de um bate-papo com seus amigos e começasse a querer vender algum produto, sem ser chamado.
Como a comunidade está reagindo coletivamente a essas coisas ? Formando coalizões de resistência. Recentemente, por exemplo, dois grandes provedores americanos de acesso à Internet, a NetCom e a UUNet, foram punidos com boicotes liderados por uma coalizão de administradores de grupos da USENET.
Existem atualmente duas formas de punição, que são chamadas, respectivamente, de UDP (USENET Death Penalty, ou Pena de Morte da USENET) e RBL (Realtime Blackhole List, ou Lista do Buraco Negro em Tempo Real). A UDP é a mais drástica de todas e é "decretada" apenas como um recurso final, quando nada mais deu certo para parar o "spam" que está vindo de algum lugar. Significa que todos os grupos de notícias passam a detectar e eliminar todas as mensagens que se originam de um determinado provedor (identificáveis através do seu domínio, por exemplo, netcom.com) por 15 dias ou mais. Isso é fatal porque significa que TODOS os usuários daquele serviço não podem mais enviar mensagens para a USENET, sejam ou não 'spammers" ! A penalidade foi decretada porque a NetCom e a UUNet não tomaram medidas para expulsar os "spammers" conhecidos de suas redes, e nem instalaram softwares que permitem limitar esse uso inadequado do correio eletrônico (veja a página da Web oficial sobre a UDP em http://www.sputum.com/cns/netcomudp1.html).
Todas as pessoas que enviam informação em massa para a Internet deveriam ler o FAQ sobre "Net Abuse" (http://www.cybernothing.org/faqs/net-abuse-faq.html), que explica todas essas coisas, e como está evoluindo a consciência social da Internet sobre os mais variados tipos de contravenções. As discussões especializadas entre os administradores de grupos correm em news.admin.net-abuse.misc.
As analogias entre as sociedades "reais" e a sociedade virtual formada pela Internet estão crescendo e até estão se tornando objeto de estudo de pesquisadores e acadêmicos. Existem duas revistas "Journal of On-Line Behavior (Revista de Comportamento On-Line) e Cyberpsychology & Behavior (Ciberpsicologia e Comportamento), que publicam trabalhos sobre esses temas,
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, .
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br