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A grande máquina social

Renato Sabbatini

O grande comunicólogo canadense Marshall McLuhan não viveu o tempo suficiente para poder modificar suas teorias sobre o  papel das mídias eletrónicas na integração global. Quando ele popularizou o termo "aldeia global" em seu livro "O Meio é a  Mensagem", a Internet não existia. Ele estava se referindo principalmente à  televisão, como veiculo de globalização da cultura  e da comunicação instantânea. Entretanto, como a televisão geralmente tem transmissão unidirecional, ela não é um bom  modelo para uma aldeia global virtual,  pois o que caracteriza a aldeia é o contato mútuo, o diálogo e a  interação entre seus  habitantes, e isso a televisão não faz. Mas a  Internet faz. Através do correio eletrônico, das salas virtuais de bate-papo, da  WWW, isso tudo é possível hoje em dia, e está tendo um impacto gigantesco sobre a maneira como será moldado o futuro  da humanidade.

Isso ano e' um exagero. A Internet é uma máquina social, na feliz conceituação de um dos pioneiros dessas novas tecnologias,  o inglês Tim Berners-Lee, que foi simplesmente o inventor da WWW, no distante ano de 1993. Ele e o grupo de cientistas e  pessoas que tornaram possível a Internet e todas suas tecnologias relacionadas, detém um lugar na historia que seguramente  será considerado tão importante quanto o próprio Gutemberg, o inventor da imprensa de tipos moveis metálicos, 560 anos  atras. Ela permite a formação de comunidades virtuais instantâneas, unindo pessoas em um diálogo multilateral, estejam elas  onde estiverem. Um exemplo? Recentemente, um bate-papo com um famoso artista americano, Jerry Seinfeld, reuniu uma  "platéia" de 25 mil pessoas em centenas de cidades em todo o mundo.

Antes dos meios de comunicação à distância, a velocidade do som no ar e a distância física entre as pessoas eram os fatores  limitantes, e o contato tinha que ser muito próximo (medido em metros) para que pudesse ocorrer o diálogo. A partir do século  passado, com a invenção do telégrafo por Samuel Morse, o ar passou a ser substituído por outro meio de transmissão: fios,  ondas de radiofreqüência, cabos óticos, e por aí vai. Surgiram novas regras de interação social utilizando esses meios, com  linguagem e estilo próprios (alguém se lembra de como se compunha um telegrama?).

Esta semana tive a rara oportunidade de justapor exatamente esses dois extremos do progresso tecnológico na comunicação  humana. Assisti a uma palestra (em carne e osso, ano virtual) do Tim Berners-Lee, que atualmente e' presidente do W3  Consortium e pesquisador do MIT, e li um livro absolutamente fantástico, "A Internet Vitoriana".

E o que e' a Internet vitoriana? A invenção e a implantação do telégrafo eletromagnético, na metade do século passado  (durante o reinado da Rainha Vitória, do Império Britânico) foi o inicio desse grande salto e tinha similaridades muito  interessantes com a Internet de hoje. Algumas delas: através de cabos submarinos e terrestres, era uma rede (já se  usava esse termo na época: net-work, em inglês, assim mesmo, com hífen) que abraçava o planeta, interligando praticamente  todas as maiores cidades do mundo e a maioria dos países. Utilizava codificação binária (ponto/traço), como os computadores  de hoje. Era operada por uma subcultura de pessoas especializadas em transmitir e receber comunicação com grande  velocidade e fluência, usando o código Morse, e que era muito semelhante aos dos atuais internautas. Servia para tudo (até  para celebrar casamentos a distância) e foi de fundamental importância para o comercio nacional e internacional (cotações de  preços das bolsas, de mercadorias, de ordens de compra e venda, envio de catálogos, tabelas de dados, transferência de  valores monetários, etc.). Tinha os seus "hackers" e estelionatários, que armavam esquemas fraudulentos de ganhar dinheiro,  interceptavam transmissões e realizavam espionagem (o que levou as empresas e os governos a desenvolver códigos  criptográficos, que foram os precursores dos atuais usados na Internet para transações seguras, como enviar números de  cartões de credito ou acessar a conta bancária). Foi usado (embora indiretamente) por praticamente todos os  habitantes da Terra, alguma vez em suas vidas. E foi, como a Internet está sendo agora, saudado como um meio poderoso  para aproximar as pessoas e os povos, evitar a guerra e promover a paz e o entendimento geral (embora também tenha sido  usado como o esteio das comunicações durante varias guerras.)

Segundo Tim Berners-Lee, a Internet representa um passo além, pois combina todas as tecnologias em uma só: telégrafo,  telefone, televisão e radio, e publicações. Alem disso, acrescenta alguns elementos novos e revolucionários: o diálogo on-line  direto entre os usuários, a possibilidade de se auto-publicar (a grande democracia da informação), a integração entre as  informações, formando uma teia, como a WWW (alias, o termo teia foi usado também para descrever a rede mundial de  telegrafia: outra coincidência).

O telefone, o telex e o telefax nasceram a partir da própria telegrafia, e a acabaram por matá-la. Eles deslocaram o uso da rede  por um grupo de pessoas especializadas (os operadores de telegrafia) para o uso direto pelos usuários, a um preço muito mais  baixo, e de formas muito mais convenientes. O que virá depois da Internet? Qual será a tecnologia que a substituirá?

Da mesma forma como os vitorianos não conseguiriam nunca prever uma Internet como a atual, acho que também não temos a  capacidade de predizer o que será a Internet daqui a cem anos! McLuhan teria ficado insano com as possibilidades...

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Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 30/12/98.
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