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Internet e a máquina de fazer café

 

Renato Sabbatini

Uma das maiores empresas de computadores do Planeta, a Sun, tem um presidente tão peculiar e visível para a mídia quanto Bill Gates, o dono da Microsoft. Trata-se de Scott G. McNeally, que é um inimigo empresarial acirrado de Gates. Um dos motivos para sua oposição a ele diz respeito à linguagem Java, desenvolvida pela Sun, e que se transformou em uma das ferramentas essenciais da Web. McNeally acha que a idéia original da criação de sua empresa, que era ter uma linguagem universal e independente de plataforma (ou seja, funcionar de forma idêntica em qualquer tipo ou marca de computador) foi deturpada pela Microsoft, que a quis modificar e adaptar para seus próprios fins, de uma forma desleal e perigosa (o peso específico da Microsoft, que detém um virtual monopólio na venda de sistemas operacionais e programas aplicativos, seria uma alavanca extremamente eficiente para isso).

Recentemente, McNeally voltou a ficar sob os holofotes da mídia, ao anunciar um novo padrão, denominado Jini. O objetivo do Jini é voltar às origens do Java, que foi desenvolvido pensando-se em uma linguagem que pudesse ser usada para tornar inteligentes aparelhos eletrodomésticos, como TVs, telefones comuns e celulares, fornos de microondas e até máquinas de fazer café. A Internet ainda não existia na época, mas com o seu desenvolvimento, particularmente da Web, e a necessidade de se ter uma linguagem desse tipo levou a uma reorientação dos objetivos do Java. O resto já é história.

Será que um dia todos os aparelhos eletrodomésticos, e até a nossa casa, estarão ligados à Internet e poderão ser controlados à distância através da rede?

Atualmente isso parece uma bobagem, pois ainda a maioria das pessoas precisa discar um número telefônico para se conectar à Internet e pagar caro por isso. Mas, no futuro, a conexão permanente de alta velocidade à rede de dados será tão comum quanto a fiação telefônica, a TV a cabo e os fios elétricos, que estão permanentemente conectados aos provedores dos serviços que eles carregam. Nesse futuro (não muito distante), ligar um aparelho na Internet será algo tão comum e automático quanto enfiar o fio de força na tomada. Na sala de visitas, na cozinha, nos banheiros e em muitos outros lugares, a tomadinha de dados será tão comum quanto a elétrica.

E para que fazer uma coisa dessas ? Ponham sua imaginação para trabalhar… Uma máquina de lavar roupas, por exemplo, terá controle totalmente digital (muitas já têm), mas o seu software de controle, em vez de ser programado de forma permanente, ocupará uma memória RAM, como de um microcomputador. Ele se comunicará com a fábrica periodicamente, para saber se existe alguma nova versão dele mesmo, e atualizará automaticamente a máquina. Ou então, chamará a empresa que dá manutenção, para comunicar algum defeito. Melhor ainda: antes de sair do trabalho e ir para casa, eu poderei checar se a máquina está carregada, e dar um comando à distância para começar o ciclo de lavagem.

Se pensarmos em conexões de rádio digital, o mesmo poderá ser feito com qualquer coisa móvel, desde o carro até a lancheira de meu filho… A potencialidade criada por esses novos equipamentos "inteligentes" e conectados é absurda.

O mercado será enorme. Segundo uma empresa de análise de mercado, a International Data Corp., existirão cerca de 150 milhões de aparelhos eletrodomésticos ligados à Internet no ano 2002. Muitas empresas estão correndo para desenvolver o software que será embutido nestes equipamentos para dar essa capacidade de conexão e controle. A própria Microsoft tem uma versão do Windows para esse mercado (Windows CE), mas outras empresas importantes, como a Lucent Technologies, Network Computer, Planet Web, SpyGlass e IBM. Esta última, aliás, tem uma das aplicações mais interessantes: através de uma parceria com a empresa Ware Inc., está criando sistemas para máquinas automáticas de vender.

Pois bem, aqui entra a tecnologia Jini. Ela foi desenvolvida nos laboratórios de pesquisa da Sun em Aspen, Colorado, sob o comando do lendário Bill Joy, um dos fundadores e vice-presidente da Sun, e que esteve por trás da criação do Java. Ele é um novo paradigma para conectar dispositivos extremamente simples à Internet, e permitir sua comunicação e comando com o resto da rede. Ao mesmo tempo, a Sun também disponibilizou um novo ambiente, chamado Personal Java, para permitir o desenvolvimento de soluções baseadas no padrão Jini.

Um dispositivo qualquer trabalhando com Jini será extremamente fácil de usar. Bastará ligá-lo à rede e ele estará instantaneamente conectado e funcionando. O Jini possibilitará os chamados "smart devices", dando a eles uma capacidade extremamente simples, semelhante à da linha telefônica que temos em casa, que será uma espécie de "sinal de discagem" na Internet. Todos os seus aparelhos conectados via Jini à rede, por exemplo, poderão ser automaticamente descobertos e acionados de qualquer ponto da Internet, esteja onde você estiver…

Por esse motivo, ele é uma ameaça tão grande à Microsoft, cujo império se baseia em softwares complexos, centrados no usuário. Alguém imagina ter que ligar a cafeteira de manhã, carregar o Windows e clicar em media dúzia de ícones para configurá-la antes de sair para o trabalho? Vocês devem ter entendido o recado que Mr McNeally está dando a Mr. Gates :-)
 

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Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 15/5/99.
Jornal: Email: cpopular@cpopular.com.br
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