Quando a coisa diz respeito a finanças, o "bug" foi corrigido bem rapidinho. A maioria dos bancos e dos programas de controle administrativo das empresas já foi convertida para funcionar bem na virada do século, a um custo enorme (calcula-se que o Y2K custará algo em torno de 1 trilhão de dólares para ser corrigido em todo o mundo. Somente em um banco brasileiro que conheço, cerca de 20.000 programas de uso corrente tiveram que ser examinados, linha a linha). O problema fica muito mais sério quando examinamos áreas em que o uso do computador não tem muita tradição, como é o caso da medicina. Os especialistas acham que a área médica terá problemas mais sérios do que outros setores, como bancos e governo, pois as instituições e profissionais dessa área estão ainda muito atrasados na correção do problema (40% dos hospitais e 90% dos médicos, segundo um relatório americano feito em 1998). Muitos médicos utilizam programas antigos, que já não contam com suporte técnico e dificilmente poderão ser. Além disso, existe uma séria falta de conscientização no setor, pois os profissionais de saúde acham que o problema não é "deles" e sim dos "outros", e que alguém vai se mexer para solucioná-los, como se fosse mágica. Não poderiam estar mais (fatalmente) enganados: a erradicação do Y2K e de seus efeitos depende de uma conscientização e ação conjunta de todos os envolvidos em uma organização.
Para dar uma pequena idéia do que pode acontecer na área médica, um programa que calcula a idade do paciente a partir da data de nascimento e da data atual (uma função bastante comum em muitos programas médicos), poderá resultar em idades negativas, ou pior ainda, decidir que um paciente recém nascido é um provecto velhinho de 99 anos! Se a idade for usada para calcular a dosagem de um medicamento, o resultado poderá ser mortal. O Y2K também poderá afetar softwares hospitalares, equipamentos biomédicos (um respirador computadorizado, por exemplo, que pode ser programado para parar após um determinado tempo de uso, poderá provocar a morte de um paciente à meia-noite do dia 31/12!) e outros recursos, como centrais de PABX, agendas eletrônicas, e até elevadores e centrais cirúrgicas nos hospitais. Os sites na Internet também poderão ser afetados, principalmente os que utilizam programas do lado do servidor (CGI) que usam tecnologias antigas de programação.
A correção pode custar mais caro do que comprar um programa novo, e quanto mais você se atrasar, pior ficará a situação. Um programa de agendamento de consultas em uma clinica ou hospital entrará simplesmente em colapso já alguns meses antes do prazo fatal do Y2K. Por exemplo, muitos destes programas usam a data 9/9/99 para indicar ausência de data. Ora, essa data está próxima: é 9 de setembro! Hospitais que marcam procedimentos médicos ou consultas com meses de antecedência poderão ter uma desagradável surpresa já em setembro ou outubro: muitos programas de agendamento aceitam apenas dois dígitos para especificar o ano, e rejeitam o ano 00. Outros agendarão consultas retroativamente para o ano 1900!
Uma área particularmente problemática no setor médico-hospitalar é o dos equipamentos biomédicos computadorizados. Corrigir software é relativamente mais simples, mas muitos equipamentos têm suas funções "embutidas" em memórias indeléveis contidas em chips, chamadas de EPROM (Electrically Programmable Read-Only Memory) e EEPROM (Eraseable EPROM). Se eles utilizam funções de data, precisam ser trocados e/ou reprogramados, e aí é que começam os problemas: empresas que já não existem mais, chips de circuito integrado sem substitutos, limitações de hardware quanto ao uso do número de dígitos, etc. Na maioria das vezes, o usuário vai ser penalizado com um custo que pode ser maior do que o preço original do equipamento.
O tempo urge! Faltam poucos meses para o prazo fatal, que infelizmente não pode ser adiado, como tantas coisas. O hospital ou clínica deve inicialmente fazer uma lista de todos os computadores, softwares e equipamentos computadorizados existentes, e avaliar se eles poderão ter um impacto negativo devido ao uso de funções de datas. Pode ser recomendável contratar um consultor externo para realizar esse trabalho. Testar por conta própria se seu computador está pronto para o ano 2000, simplesmente mudando a data do relógio interno, é uma técnica perigosa de ser usada por não-especialistas, pois poderá provocar danos irreparáveis em suas bases de dados, ou em redes de computadores. Devem ser usados softwares específicos de teste (como o NSTL Y2000, disponível gratuitamente em http://www.nstl.com/html/nstl_ymark2000.html). Os fabricantes ou desenvolvedores dos softwares e equipamentos devem ser contatados e perguntados se têm uma versão mais moderna dos mesmos, corrigida para o Y2K, ou se existe alguma forma de corrigí-los, e sobre os custos e os prazos dessa correção.
Caso seja observado algum problema e não se conseguir corrigi-los com a ajuda do fabricante, ou o custo for muito elevado, é melhor desativar os softwares e equipamentos antes de terminar o ano de 1999. Talvez seja necessário adquirir softwares novos, imunes ao Y2K, e copiar todos os dados dos programas antigos para o novo. Nem sempre essa tarefa é banal, e pode demorar muito tempo. Pode ser que não dê mais tempo antes do final do ano!
Para orientar o médico ou administrador hospitalar, existem sites na Internet dedicados especificamente ao Y2K na saúde, como o da Associação Médica Americana, que tem um Comitê Y2K. Nos sites do Centro de Computação e do Centro de Manutenção de Equipamentos da UNICAMP (http://www.unicamp.br) também podem ser encontradas muitas informações e softwares referentes ao Y2K.
Recursos na Internet
American College of Physicians (www.acponline.org/y2k/index.html)
American Medical Association (www.ama-assn.org/not-mo/y2k/index.htm)
Food and Drugs Administration (www.fda.gov/cdrh/yr2000/year2000.html)
Veja também: Índice
de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no
Correio Popular.
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 11/6/99
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