Um
céu de satélites
O
sistema de satélites de órbita baixa (em inglês: LOS,
ou Low-Orbiting Satellites) funciona assim: ao contrário
dos satélites de órbita alta, ou geoestacionários,
eles não ficam parados em relação a um determinado
ponto da terra. Os satélites geoestacionários ficam a 35.800
km de altitude, e giram uma vez a cada 24 horas em torno do planeta. Assim,
parecem que ficam no mesmo lugar do céu (um conceito desenvolvido
em 1949, mas somente tornado realidade em 1970), formando figurativamente
uma espécie de "espelho" no céu, que permite refletir os
sinais e transmití-los à grandes distâncias. Os satélites
LOS, ao contrário, como têm órbitas muito mais baixos,
não são geoestacionários, portanto é necessário
um número muito maior de satélites para dar uma cobertura
24 horas por dia a todas as regiões do globo. O Iridium, por exemplo,
tem 66 satélites, o Globalstar terá 48, o SkyBridge 80, e
o Teledesic, 288 (!).
Em virtude da enorme demanda por lançadores de satélites, empresas como a Lockheed Martin (americana), a Ariane Space (européia) e até empresas russas formadas com a tecnologia altamente eficiente e barata desenvolvida pela ex-União Soviética estão fazendo fortunas. Usando foguetes poderosos como o Atlas Saturn V e o Proton M, são capazes de lançar simultaneamente de 20 a 30 satélites em órbita baixa.
O custo, como se pode imaginar, é altissimo: o projeto Iridium custou 6 bilhões de dólares, e foi em grande parte bancado pela Motorola, gigante americano da eletrônica, computação e telecomunicações. O Teledesic é uma "joint-venture" da Microsoft e da McCaw, a maior operadora de celulares dos EUA, com participação da Motorola e da Boeing. Uma pessoa que tenha um radiotelefone Iridium pode falar virtualmente de qualquer lugar do planeta, pois tem uma cobertura "celular" montada diretamente no céu. Aliás, recentemente, uma expedição que foi ao Monte Everest usou com sucesso um desses telefones para se comunicar. O projeto Globalstar, que ainda está em construção, usa a tecnologia CDMA, a mesma usada em telefones celulares (aliás, a tecnologia usada por eles é bem mais sofisticada que a do Iridium e promete melhores níveis de qualidade operacional). O Teledesic pretende oferecer serviços de comunicação de dados de média e alta velocidade via satélite (uma espécie de provedor global da Internet, com velocidades de fibra ótica). Todos os três sistemas também permite a implantação de um sistema de "pagers" (bipes de mensagens) com cobertura verdadeiramente internacional e com total compatibilidade, o que é fantástico.
Qual é o mercado de telecomunicações para esses sistemas de satélites de órbita baixa? Curiosamente, não é muito grande, o que coloca um ponto de interrogação nos investimentos monstruosos que foram feitos. O Iridium, por exemplo, deu um prejuízo de 500 milhões de dólares logo no primeiro trimestre de operação (este ano), contra uma receita de míseros 1,5 milhão de dólares (!). O número de assinantes é dez vezes menor do que a Motorola esperava, sendo apenas de 23 mil, seis meses depois do inicio das operações. Os especialistas acham que o consórcio Iridium não escapa da falência, e que poderá arrastar os lucros da Motorola para o bueiro durante alguns anos. Recentemente ela teve que renegociar boa parte dos empréstimos contraídos junto aos bancos credores e o valor de suas ações caiu nas bolsas. Os outros projetos baseados em satélites LOS estão também tendo dificuldades de encontrar investidores, principalmente depois de alguns desastres ruinosos, como a queda de um foguete russo em setembro de 1998, quando tentava lançar 12 satélites da Globalstar (um prejuízo de quase 200 milhões de dólares), além de grandes atrasos nos cronogramas.
Uma
boa parte das dificuldades do Iridium, além do mercado pequeno,
é devida ao alto preço do equipamento (mais de 3 mil dólares,
no lançamento, embora a Kyocera, a maior fabricante, tenha anunciado
que irá baixar o preço para mil dólares dentro em
breve), das tarifas (4 a 5 dólares por minuto), e dos grandes problemas
técnicos que o projeto ainda está tendo (instabilidade da
conexão, baixo nível do sinal, etc.). Os aparelhos são
grandes e pesados e consomem muita energia (parecem um "walkie-talkie"
dos antigos). Por isso, não parece haver confiança nem por
parte dos usuários nem por parte dos investidores, a não
ser que a situação mude rapidamente nos próximos meses.
Outro problema é que os acordos de "roaming" internacional (quando um telefone celular comum pode ser usado em outros países) estão cada vez mais freqüentes e baratos, o que praticamente elimina do mercado do Iridium e Globalstar uma categoria importante de usuário e sua grande esperança de faturar alto: o executivo viajante de alto nível. Restam aplicações em que o número de usuários não é grande, como a aviação civil, o setor de transportes marítimos, o turismo ecológico e as expedições científicas, plataformas petrolíferas e outros locais muito isolados, como na floresta amazônica, ilhas remotas, etc. Para muitos desses setores, no entanto, já existem sistemas convencionais de telecomunicação por satélite geoestacionário que funcionam bem há muitos anos, como o InMarSat (International Maritime Satellite Consortium), ComSat, PanAmSat, etc. A competição está aumentando, também, com várias companhias menores, como a OrbComm, que opera uma rede de 28 satélites.
Pouco impressionados pelo fracasso do Iridium, a Globalstar, a Teledesic e as diversas outras companhia que brigam pelo mercado prosseguem com seus planos e investimentos, o que poderá causar um verdadeiro congestionamento de oferta de canais de satélite no futuro; com a conseqüente queda de preços devido à competitividade. Então ai, e só aí, é que existe alguma chance deles escaparem de se tornar verdadeiros "elefantes brancos" e começarem a dar algum retorno para o investimento.
São todas tecnologias muito novas
e pouco comprovadas e aperfeiçoadas pelo uso. Os gravadores de fita,
os telefones celulares, os microcomputadores, as tevês coloridas,
os fornos de micro-ondas e até os automóveis passaram por
dificuldades semelhantes quando foram lançados. O tempo trará
sistemas cada vez mais perfeitos e baratos, que serão uma alternativa
a mais no espectro das tecnologias de telecomunicação à
nossa disposição.
Renato
M.E. Sabbatini é professor e diretor do Núcleo
de Informática Biomédica da Universidade Estadual de
Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de
informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br
Veja também: Índice
de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no
Correio Popular.
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 16/7/99.
Jornal: Email: cpopular@cpopular.com.br
WWW: http://www.cosmo.com.br
