Esta semana ocorreu em São Paulo um grande congresso de telemedicina (TELMED'99), que mostrou que esta aplicação das telecomunicações e da informática no setor da saúde está finalmente amadurecendo no Brasil. Foram feitas algumas demonstrações simplesmente espetaculares dessa tecnologia durante o congresso. Em uma delas, foi estabelecida uma videoconferência entre o local do congresso, na Câmara Americana de Comércio e o Instituto do Coração, em Uberlândia, a quase 1000 km de distância, utilizando a mesma infra-estrutura de comunicação que será usada na Internet 2, ou seja, cabos de fibra ótica de alta velocidade (155 megabits por segundo). Durante a sessão, que foi acompanhada em São Paulo por grandes médicos, como o Dr. Adib Jatene e o Dr. Raul Cutait, foi realizado um exame de cateterismo em tempo real em um paciente em Uberlândia, e transmitido pela rede um eletrocardiograma. As imagens transmitidas eram de perfeita qualidade, e a interação entre os médicos de São Paulo e de Uberlândia, inteiramente natural e fluida. Os presentes ficaram maravilhados com o potencial da nova tecnologia. Em outra sessão, foi transmitida uma cirurgia videoendoscópica dos meniscos do joelho de outro paciente, desta vez no Hospital Albert Einstein de São Paulo. A novidade aqui era que o "link" de telecomunicação usava uma antena de rádio digital de alta velocidade, que conectava o Hospital à central de comunicações da Telefônica. Mesmo assim, a qualidade das imagens era excelente, e o congresso inteiro parou para assistir à cirurgia, que foi inteiramente narrada pelo cirurgião que a realizava.
A telemedicina é uma forma de se prestar assistência médica quando o paciente está fisicamente distante do médico. Normalmente, ela envolve a transmissão de imagens estáticas, vídeo, informações sobre o paciente, sinais de eletrocardiograma, etc. através dos meios de telecomunicação tais como cabos, fibras óticas, satélites, radio digital e Internet. Esta última, principalmente, por estar presente em todos os lugares, promete revolucionar totalmente a telemedicina, assim que as velocidades de transmissão aumentarem (Internet 2). Nesse ponto, o Brasil está começando a se atualizar. Em dezembro serão inauguradas as Redes Metropolitanas de Alta Velocidade de São Paulo e de Campinas, das quais participam vários hospitais, como o HC da USP e da UNICAMP, o Hospital São Paulo, etc., e que estarão sendo usadas para vários projetos de telemedicina.
As primeiras experiências no campo da transmissão de imagens em vídeo, som e parâmetros fisiológicos com finalidades médicas datam das missões espaciais americanas e soviéticas nos anos 60. Shepard, Glenn e Gagárin, os primeiros astronautas, eram monitorados a partir das estações terrestres, porque ninguém sabia se as viagens orbitais de seres humanos provocariam algum problema médico mais sério. Portanto a telemedicina tem mais de 30 anos de idade. O entusiasmo inicial provocado pelas conquistas da NASA provocou o início de muitos projetos de telemedicina nos anos 70s, visando a adoção da telemedicina nos hospitais e serviços públicos de saúde. A grande maioria desses projetos fracassou, no entanto, porque não existiam na época os recursos de telecomunicação digital de alta velocidade que existem hoje. Posteriormente, na metade dos anos 90s, a telemedicina ressurgiu, justamente porque a capacidade dos recursos tecnológicos à disposição dos médicos, e o preço das telecomunicações já tinham atingido o ponto ideal (e é exatamente isso que está acontecendo agora no Brasil, depois das privatizações na área das telecomunicações).
Nos dias atuais, a Telemedicina é encarada como uma forma de difundir cuidados na área da Saúde para localidades desprovidas dos mesmos, ou ainda, deficitárias de determinados tipos de procedimentos, com o objetivo amplo de permitir igualdade de acesso aos serviços médicos, independentemente da localização geográfica do indivíduo (por exemplo, localidades remotas, em zonas rurais, com população muito pequena ou dispersa, etc.). Além desta importante atividade assistencial, o desenvolvimento da Telemedicina, em função do seu caráter marcantemente interativo, possibilita a atuação nas áreas de ensino e pesquisa, servindo-se de pontos estruturais inseridos no que poderíamos denominar como Universidade Médica Virtual.
Praticamente, quase todas as especialidades médicas podem vir a utilizar-se da Telemedicina. É claro que algumas, particularmente aquelas que utilizam imagens como meio de diagnóstico, são as mais prontamente beneficiadas. Assim, os setores de radiologia, dermatologia, patologia, ultra-sonografia, entre outros, são bastante propícios para o estabelecimento de protocolos de transmissão de dados à distância, com finalidades diagnósticas. É interessante notar que apesar da vocação natural destas disciplinas da área de imagenologia médica para a Telemedicina, a psiquiatria foi um dos primeiros campos a desenvolver aplicações nesse setor.
A utilização da infra-estrutura de comunicação previamente existente, pode ser um alternativa de custo-efetividade para a Telemedicina. As linhas telefônicas, desta forma, são as meios de conexão mais comuns entre pontos distantes. Outras possibilidades incluem a utilização de linhas especiais (ISDN / T1), modems de alta velocidade (DSL), fibras óticas ou mesmo conexões via satélite. As linhas ISDN (Integrated Services Digital Networks) permitem transmissão de dados á velocidades de 64 a 128 kbps, além de duas linhas de voz, podendo ser agregadas para aumentar-se a largura da banda de transmissão em múltiplos destes valores. As fibras ópticas permitem transmissão de dados em velocidades superiores a 150 Mbps (megabits por segundo), sem sofrerem as interferências habituais relacionadas às linhas de transmissão do tipo metálico. Com a chegada da Internet via TV a cabo, como os serviços recém-anunciados da TVA (Ajato) e Net (Virtua), a videoconferência e a telemedicina de alta velocidade se tornarão muito comuns, a tal ponto que a telemedicina doméstica poderá ser uma realidade (as pessoas vão poder se comunicar com seus médicos a partir de suas casas, usando o PC ligado à TV a cabo).
Já o uso da comunicação via satélite envolve equipamentos de transmissão e recepção específicos, bem como a disponibilidade do canal no próprio satélite. É ideal, por exemplo, para localidades, como na Amazônia, onde não existe nenhuma outra infra-estrutura de telecomunicação. O projeto SIVAM (Sistema de Vigilância Aérea da Amazônia), que utilizará satélites para monitorar o espaço aéreo daquela região, prevê a utilização de alguns canais VSAT para aplicações em telemedicina.
A telemedicina é uma tecnologia extremamente necessária para o Brasil. Somos um país de dimensões continentais, com muitas áreas remotas e isoladas, e uma desigualdade muito grande de cobertura de atendimento de saúde. Existem milhares de municípios e cidades que não têm médicos, ou contam com número insuficiente de especialistas, causando o aparecimento dos pacientes "peripatéticos", ou seja, que têm que viajar para centros distantes onde se encontra atendimento médico (o maior "investimento em saúde" que muitas prefeituras fazem é comprar um ônibus ou uma kombi para transportar esses pacientes). A telemedicina também permite aumentar a qualidade da atenção médica, ao "levar" um especialista eletronicamente até a beira do leito do paciente, ajudando o colega ou o paramédico local a resolver casos difíceis e a salvar vidas.
É uma aplicação social
da tecnologia que terá grande impacto na medicina do próximo
milênio.
Outros artigos sobre telemedicina no Correio Popular: www.epub.org.br/correio/index.html#medicina
Veja também: Índice
de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no
Correio Popular.
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 3/12/99.
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WWW: http://www.cosmo.com.br