O acidente ocorrido em 1996 com a vacinação em massa contra meningite em Campinas e Hortolândia, quando mais de 3.500 pessoas tiveram fortes reações após a imunização (cerca de 14 % das pessoas vacinadas), pode colocar em risco a credibilidade dos programas preventivos contra doenças infecciosas, que salvaram milhões de vidas nos últimos 50 anos. Por isso, achei que seria bom explicar para o leitor o que vem a ser essa vacina e os riscos de tomá-las.
A meningite é uma infecção das meninges, as membranas que cobrem o cérebro e a medula espinhal. Ela pode ser causada por diversas bactérias e vírus, sendo que as formas bacterianas são as mais graves: as causadas pelo meningococo (tipos A, B e C), e pelo Hemophilus influenzae tipo B (também conhecido por sua sigla HIB), assim como pelos pneumococos e estreptococos do grupo B (mais raros). Suas vítimas mais comuns são as crianças de menos de cinco anos de idade, e a maior incidência é no inverno. Atualmente existem vacinas para os tipos serológicos mais comuns, sendo que a mais usada é a anti-HiB. O efeito dessa vacina é amplamente documentado. Por exemplo, a Inglaterra introduziu o uso obrigatório da imunização com a vacina HIB em outubro de 1992. O efeito foi imediato: o número de infecções diminiu de 70 % entre janeiro e março de 1993. Atualmente, meningites desse tipo são muito raras na Grã-Bretanha. Eficácias similares também foram observadas nos EUA, onde ocorreram reduções de até 90 % em dois anos.
A construção de uma vacina nova pelos cientistas é bastante complexa. A vacina é uma solução contendo substâncias presentes no microorganismo contra o qual se quer induzir imunidade natural no corpo de uma pessoa. Essas substâncias podem ser extraídas artificialmente, ou então, como é mais comum, utiliza-se a própria bactéria ou vírus inativados por calor, quimica ou geneticamente, de modo que não causem infecção. Elas são chamadas de antígenos, pois provocam uma reação natural do sistema imune do nosso corpo, que é a defesa básica que temos contra invasões por organismos estranhos. Um dos mecanismos básicos dessa reação é a produção de proteinas chamadas anticorpos, que têm várias funções, sendo a principal delas causar a morte celular dos organismos invasores.
Na luta para desenvolver uma vacina efetiva, os cientistas biomédicos estudam qual é a parte da célula da bactéria que é a mais adequada para provocar uma imunização a mais duradoura possível. Por exemplo, um carboidrato chamado PRP, existente na cápsula do HIB pode ser usado para desenvolver anticorpos, mas a imunidade adquirida é de curta duração em crianças de menos de um ano. Os cientistas sintetizaram então um antígeno formado por uma proteína ligada ao PRP, o que resultou numa vacina muito efetiva para todas as idades. Num jogo arriscado, os cientistas usaram uma proteína da bactéria que causa a difteria (uma infecção da garganta), e foram observados em Campinas. Um desastre semelhante foi ocasionado na década dos 50s por amostras impuras da vacina de Salk, a primeira contra a poliomielite, uma doença devastadora, que causava muitas mortes e invalidez nos EUA. Muitas crianças vacinadas desenvolveram a doença, sendo que várias morreram. Testes de toxicidade realizados com animais muitas vezes não ajudam, pois a vacina só provoca reações em seres humanos.
Felizmente, incidentes como o de Campinas são muito raros (em toda a história da FDA, o órgão americano que testa rigorosamente as vacinas quanto à segurança, apenas quatro lotes de vacinas fabricadas tiveram que ser embargados). Geralmente eles acontecem por falta de controle de qualidade das vacinas na origem ou no destino. Antes de incriminar quem fabricou as vacinas usadas em Campinas, o Instituto Oswaldo Cruz, uma instituição científica muito respeitável, será necessário realizar todos os testes biológicos e químicos.
Mas nada conseguirá restabelecer totalmente a confiança da população em relação a esses produtos.