Indice de Artigos

 

A revolta da vacina

Renato M.E. Sabbatini

A maioria dos campineiros pode não saber, mas é irônico que o que será conhecido na posteridade como o "incidente das vacinas" (agora, curiosamente, rotulado como "normal" pelo mesmo Instituto que as fabrica...) ocorreu justamente do ducentésimo aniversário da descoberta da vacina contra a varíola, pelo inglês Edward Jenner. Em função desse aniversário, a Organização Mundial de Saúde, que foi a responsável pela extinção da varíola, a primeira doença humana a ser erradicada totalmente, declarou que 1996 será o Ano Internacional da Vacinação. Com a ajuda da UNICEF (outra instituição da ONU que teve um enorme impacto na saúde e bem estar das crianças nesse final de século), do Banco Mundial e da Fundação Rockefeller, está sendo preparada uma campanha de vacinação que atingirá mais de 300 milhões de crianças e poderá salvar mais de 3 milhões de pequenas vidas.

No entanto, estamos com a possibilidade de, pela primeira vez na história recente do País, de haver uma rejeição da população à nova vacina antimeningocócica. Não vai ser tão drástico quanto na famosa "Revolta da Vacina", que ocorreu em outubro de 1904. Naquela época, o Brasil vivia uma época conturbada politicamente, com a população revoltada contra a dominação oligárquica representada pela Velha República. O governo tinha emitido um decreto-lei (um vício antigo dos políticos brasileiros...) que instituia a vacinação obrigatória contra a varíola para todas as pessoas de mais de 6 meses de idade. Isso causou uma repulsa pela maneira autoritária como foi feita, e logo os agitadores da oposição começaram a usar isso como pretexto de manifestações contra o governo. Parece ridículo isso, hoje, mas argumentavam, por exemplo, que a vacinação era um atentado contra o pudor das mulheres, porque elas teriam que desnudar os braços para os vacinadores da Saúde Pública ! E, apesar de ter já completado 100 anos de comprovada eficácia, a maioria da população ainda desconhecia e temia os efeitos que a injeção de líquidos desconhecidos poderia causar no corpo das pessoas. Imaginem então como era o controle de qualidade das vacinas naquela época...

Entretanto, os setores políticos "jacobinistas", aliando-se aos positivistas (estranha aliança...) fundaram a Liga Contra a Vacinação Obrigatória, presidida por um eminente senador, Lauro Sodré, Que a Liga era mais contra o governo do que contra a vacinação ficou logo aparente num discurso de Lauro Sodré em que ele bradou que "... esse governo só tem o rótulo de republicano, porque isto que nós temos como forma de governo é uma república falsificada e deve haver a repulsa porque à Nação assiste o direito de repelir a força pela força ... Essa lei iníqua, arbitrária e deprimente provoca a reação, que deve ser feita por todo expressão. Talvez nunca mais se repita, devido às mudanças ocorridas na sociedade brasileira, e ao fato de que temos vastas massas inermes de miseráveis e deseducados, que sempre se submetem passivamente a todos tipos de indignidades que ocorrem diariamente na área da Saúde. Mas, até quando ?


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 3/5/96.
Autor: Email: renato@sabbatini.com

WWW: http://www.sabbatini.com/renato
Jornal: cpopular@cpopular.com.br


Copyright © 1996 Correio Popular, Campinas, Brazil