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Falta de vitamina

 

Renato Sabbatini


O fato de que certos alimentos são necessários para manter a saúde ou para evitar algumas doenças é conhecido há muito tempo. Antes do século 20, não eram conhecidas as causas dessas doenças, como o pelagra, o beriberi, o escorbuto, a cegueira noturna, o raquitismo e a anemia perniciosa, não eram conhecidas. Os médicos acreditavam que eram de natureza infecciosa, pois afetavam muitas pessoas de uma mesma comunidade, como por exemplo os habitantes pobres da Londres vitoriana, as crianças de um orfanato, ou os marinheiros de navios por longo tempo no mar. Os tratamentos, portanto, eram totalmente inadequados e não curavam ninguém.

As hipovitaminoses, como são conhecidas as doenças causadas pela falta de vitaminas, são pragas conhecidas há muito tempo pelo homem, mas passaram por um grande aumento a partir da segunda metade do milênio, com as grandes explorações. O escorbuto talvez tenha sido a primeira dessas doenças que começaram a matar intensamente, já durante as Cruzadas, devido à deficiência de alimentação dos exércitos, ou em cercos prolongados às cidades. Mas foi provavelmente o início dos Grandes Descobrimentos que aumentou muito sua incidência, pois, com o desenvolvimento das naves de longo curso, como as caravelas, que podiam ficar meses no mar sem tocar terra, privava-se o acesso dos marinheiros a alimentos frescos, que contém mais vitaminas.

A alimentação de bordo dos navegantes de Colombo, Pinzón, Magalhães, Vasco da Gama, Cabral, etc., era constituída basicamente de bolachas secas, água, vinho e carne salgada, em condições horrendas de conservação e higiene. Assim, a vitamina C era totalmente ausente da alimentação. Os tripulantes caiam doentes depois de um ou dois meses no mar: as gengivas ficavam inflamadas e inchadas, apodrecendo com um tremendo mau-hálito, os dentes caíam todos, apareciam feridas e hemorragias nas mucosas e na pele, sobrevinha a fraqueza, a anemia, e, gradualmente, a morte. Em uma das frotas de Vasco da Gama, dos 400 marinheiros, 360 sucumbiram ao escorbuto durante a viagem! Os sintomas eram causados pela falta da ação da vitamina C, que é essencial para a cicatrização de feridas e a formação do colágeno (uma proteína importante para a pele, tendões, ossos e tecido conjuntivo). Sua deficiência crônica leva à formação defeituosa de colágen cadáveres no mar, isolar os doentes, etc., pensando ser uma peste infecciosa. Nenhum tratamento funcionava. Depois de ficarem algumas semanas doentes, sobrevinha a morte, também em rápida seqüência.

A ignorância a respeito das causas e do tratamento do escorbuto persistiu ainda por mais de 200 anos, até que, em 1753, James Lind, um médico naval escocês, descobriu que o consumo de laranjas-lima, limões e toronjas evitava o escorbuto, O Almirantado britânico deu uma ordem para que todos os navios de Sua Majestade levassem um suprimento dessas frutas e que o suco de limão fosse servido obrigatoriamente junto com a ração diária de grogue a todos os marinheiros (por esse motivo, o apelido nacional dos ingleses nos EUA era "limey", porque consumiam laranjas-lima). Uma dose diária em torno de 100 mg de vitamina C (contida em poucos mililitros de suco de limão) é suficiente para curar o escorbuto em poucos dias. Frotas navais de outros países, que não adotaram logo a novidade, continuaram a sofrer por vários anos com a incidência de escorbuto.

Em 1906, o bioquímico inglês Frederick Gowland Hopkins, e em 1911, o químico polonês Casimir Funk, criaram o conceito dos fatores acessórios dos alimentos. Funk, que descobriu a niacinamida, o "fator anti-beriberi" (outra hipovitaminose), inventou o termo "vital amin" (ou amina vital), que acabou sendo abreviada para "vitamina", e que é o nome que acabou vingando para essa classe de substâncias.

Posteriormente, já em 1928, o genial cientista húngaro Albert von Szent-Györgyi (1893-1986) descobriu e isolou o fator anti-escorbuto em vários alimentos, que foi denominada de vitamina C, ou ácido ascórbico. Ele ganhou o prêmio Nobel de 1937 por essa descoberta. Essa vitamina ficou bastante popularizada a partir das pesquisas do químico americano Linus Pauling (1901-1994), outro nobelista, que recomendava hiperdoses para combater resfriados, gripes e outras viroses, prevenir o câncer e outras doenças degenerativas, etc. Embora hoje se saiba que esse tipo de tratamento têm poucos resultados (sendo, inclusive, perigoso), a vitamina C é um poderoso antioxidante e pode ter efeitos significativos contra os processos de envelhecimento celular. Continua sendo adicionada artificialmente a muitos alimentos, cremes para a pele, etc.

A descoberta de que várias doenças misteriosas, muitas delas mortais, eram na realidade simples hipovitaminoses, podendo ser definitivamente curadas pela ingestão de alimentos adequados, foi uma grande vitória da humanidade!
 

Para Saber Mais

 








Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 4/2/2000.

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