Recentemente, dois cientistas norte-americanos foram parar nas manchetes dos jornais ao anunciarem uma aposta que fizeram entre si, no valor de US$ 500 milhões. Eles queriam chamar a atenção para o tema científico da longevidade máxima do ser humano e apostaram qual será a idade recorde que atingiremos em 2120. Um dos cientistas acha que será de 140 anos, e outro, que será de 180 anos. Depositaram US$ 150 cada um em uma conta de poupança, e os seus descendentes poderão sacar o dinheiro com juros daqui a 120 anos, e que terá chegado então (teoricamente) ao valor proposto.
A velhice e a morte fazem parte da vida, ou seja, nenhum ser vivo é eterno. No ser humano, a decadência biológica, chamada científica de "senescência", é marcada pela perda e afinamento do cabelo e dos pelos, aparecimento de rugas e manchas na pele, perda de massa muscular e diminuição da força, perda de tônus e flexibilidade do tecido conjuntivo, diminuição da acuidade visual e auditiva e da memória, cataratas, varicosamento das veias, perda de cálcio nos ossos (osteoporose), endurecimento das artérias, queda de vários tipos de hormônios, principalmente os sexuais (levando à menopausa na mulher e perda da fertilidade), etc. Bioquimicamente, muita coisa muda com a senescência, inclusive a atividade de enzimas e o aumento da morte celular. O DNA das células também sofre danos crescentes com a idade, principalmente em função de exposição à agentes externos e internos como radicais livres, radiação, etc.
Porque envelhecemos? O que causa a morte? Mesmo se não tivermos nenhuma doença fatal, a morte é inevitável? Avanços da ciência nos últimos anos estão permitindo responder a todas essas perguntas, embora não saibamos ainda todas elas. A descoberta fundamental foi feita 35 anos atrás, por um cientista chamado Hayflick e foi surpreendente: não somos eternos porque nossas células tem um número máximo, pré-programado geneticamente, de ciclos de reprodução. Não é a passagem do tempo per se que determina quando vamos morrer, mas sim a exaustão da capacidade reprodutiva e a conseqüente morte progressiva de bilhões de células do nosso corpo, que não são repostas. Em outras palavras: a morte começa no momento da concepção!
Se isso é verdade, então eventualmente seremos capazes de derrotar a morte e produzir seres huma cérebro ocorre a morte massiva de neurônios por volta do quinto mês de gestação (cerca de 20% do peso do cérebro fetal), o que é um processo essencial para a formação de conexões.
A apoptose no adulto também é importante. Sem ela, o câncer seria extremamente comum, pois toda vez que uma célula é danificada em seu DNA, ela comete suicídio, impedindo a proliferação de células anormais. Quando esse processo falha, pode aparecer o câncer e outras anomalias.
Como aumentar a longevidade artificialmente? Uma solução é inibir os genes da morte celular. Cientistas conseguiram aumentar em quase 20 vezes a longevidade de moscas com esse expediente. Teoricamente, um dia poderemos fazer o mesmo com o ser humano, pois já foram descobertos genes homólogos aos dos vermes e moscas em nossas células. Mas infelizmente, não é tão simples assim, pois a ação de cerca de 10% dos nossos genes parece ser afetada pela senescência. E bloquear a morte programada das células, simplesmente, pode ser extremamente perigoso, levando a uma morte prematura por câncer, ao invés de aumentar a longevidade. Não devemos nos esquecer também que grande parte da morte celular ocorre por um processo induzido, ou seja não programado geneticamente. É o processo de necrose, que ocorre quando as células são agredidas, por radiação (a descamação da pele que ocorre quanto ela é queimada pelo sol), por bactérias e vírus (o catarro e o pus são "cemitérios" de bilhões de células mortas), por agentes químicos, ruptura mecânica, etc. Embora possamos amenizar vários desses tipos de agressão, a necrose progressiva é praticamente inevitável, formando um efeito cumulativo que em última análise impõe uma longevidade máxima.
Existe influência da genética na longevidade? Muitos dados mostram que sim. Gêmeos idênticos (univitelinos) têm, em média, apenas 44 meses de diferença entre as idades de morte, enquanto que gêmeos não idênticos têm uma diferença de 66 meses. A variabilidade é muito maior entre pessoas não relacionadas. Filhos e netos de pessoas longevas também vivem mais tempo do que a média da população, e existem populações inteiras (geralmente isoladas geograficamente e homogêneas), que têm uma longevidade média grande. Os habitantes de Vilcabamba, uma cidade dos Andes na fronteira do Peru, e da área de Hunza, uma região montanhosa do Paquistão, apresentam cerca de mil pessoas centenárias por cada 100 mil habitantes. Nos EUA, são apenas 3 centenários por 100 mil habitantes! A diferença é muito grande para ser explicada apenas por diferenças de estilos de vida, como dietas, ar puro, etc.
Se eu pudesse me juntar à aposta dos dois cientistas, então, colocaria as minhas chances em uma idade recorde de 180 anos ou mais. Segundo o livro Guinness, a maior longevidade oficialmente registrada e autenticada é de 122 anos (de uma mulher francesa), mas essa idade é extremamente excepcional. Talvez fizesse mais sentido apostar em uma idade média da população de paises desenvolvidos em 2120. Esta eu acredito que vai ser de 100 a 120 anos.
Para reestabelecer o equilíbrio do sistema, as idades médias teriam que subir proporcionalmente à longevidade, deslocando a operação de todo o sistema para um patamar mais alto: idade de entrar no mercado de trabalho, idade de se aposentar, idade de casar, idade de ter o primeiro filho, etc. Mas, as taxas de natalidade teriam que aumentar, também, ou pelo menos estabilizar-se por muitas décadas, para que o sistema atingisse o que chamamos de "regime", ou seja, números iguais de mortes e de nascimentos, entradas e saídas do mercado de trabalho. Evidentemente, nada disso é fácil, e em muitos casos, têm até limites biológicos do desenvolvimento humano (as mulheres, por exemplo, devem evitar ter filhos com idade mais avançada, pois a incidência de defeitos como a síndrome de Down aumenta proporcionalmente. A ciência ainda não sabe como reverter esse efeito, mas poderá descobrir).
Quando o crescimento da longevidade da população é lento e gradual, o sistema social ainda consegue se adaptar. No entanto, se a mudança for brusca, pode ocorrer uma catástrofe. Qualquer avanço espetacular da medicina nesse sentido far-se-ia imediatamente sentir na estrutura social e econômica. Isso aconteceu, por exemplo, com os antibióticos, que começaram a ser usados em massa logo depois da Segunda Guerra Mundial. Entre 1939 e 1999, a idade média do brasileiro aumentou em quase 30 anos!
A cura do câncer, a replicação de órgãos para transplante, ou a descoberta de como bloquear os genes da morte celular poderiam ser eventos desse tipo. De imediato, a longevidade aumentaria de 10 a 15 anos, com a soma combinada dessas descobertas. Só não seria maior porque provavelmente a imortalização genética seria privilégio de poucos, pois poderia ter custo muito alto, ou então porque enfrentaria uma moratória decretada pelos governos, atemorizados perante as suas catastróficas conseqüências sobre o sistema previdenciário das nações.
E aqui começamos a enfrentar uma enorme série de dilemas morais e éticos. Se a moratória fosse decretada, quem seria agraciado com a permissão para imortalização? As pessoas mais produtivas? As mais ricas? As que precisarem mais? A elite do governo e dos militares? Quais seriam os critérios de seleção dos beneficiários? O governo cobraria "impostos de imortalização" altissimos para coibir a prática? S naturalmente, estariam disponiveis sem receita médica…). A Internet, ou sua sucessora, estará coalhada de receitas do tipo "faça sua própria imortalização em casa", "fique milionário montando um negócio de imortalização em sua cidade", etc., etc. e etc.
Assustador, não? Como vemos, se a ciência descobrir como desprogramar a morte, tudo isso acontecerá e será inevitável. Será um mega-experimento coletivo, com resultados impredizíveis.