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Morte infantil súbita

Renato Sabbatini

A condenação, nesta semana, de uma mulher neozelandesa que matou por sufocação quatro bebês, dos quais dois eram seus filhos, reacendeu o debate mundial sobre um diagnóstico controvertido em medicina pediátrica, a Síndrome da Morte Infantil Súbita (ou SIDS, da sigla em inglês). A jovem mulher, com um histórico de sérias perturbações mentais, era babá de profissão, e usou um travesseiro para sufocar dois bebês que tomava conta, bem como os dois únicos filhos que teve, com um intervalo de apenas 14 meses entre os dois. O mais impressionante é que os médicos legistas aceitaram a justificativa da mulher que todos teriam morrido de SIDS, ou seja, mortes inexplicáveis durante o sono, de bebês muito pequenos. Apenas quando usaram uma nova técnica de exame dos pulmões das crianças mortas, que evidencia se houve hemorraria intrapulmonar, é que os investigadores desconfiaram da mulher e obtiveram uma confissão. Os médicos e a polícia estão sendo acusados de negligência, pois a probabilidade de duas crianças da mesma mãe morrerem de SIDS em intervalo tão curto é de 1 em 72 milhões! A probabilidade de morrerem quatro, sendo duas delas crianças saudáveis de outras mães, é de praticamente zero. Mas ninguém desconfiou ou procurou fazer uma investigação mais detalhada.

Essa nova técnica foi usada com 70 crianças que morreram com diagnóstico de SIDS, mas sobre as quais se suspeitava de terem sido vítimas de sufocação proposital ou acidental (sufocação por pressão do nariz e da boca contra o travesseiro ou roupas, ou por vômito, é mais comum que SIDS, e não deve ser confundida com ela). Os resultados foram perturbadores: 49 crianças tinham indícios de hemorragia intrapulmonar.

O SIDS é uma entidade clínica relativamente recente (década dos 70s), e quando foi publicada causou grande alarde na imprensa. Muita gente ficou assustada com as estatísticas e com a impotência da ciência médica perante a síndrome. Pior: o diagnóstico é feito por exclusão, ou seja, quando uma criança morre subitamente durante o sono, sem causa aparente. Mas isso não quer dizer que seja SIDS: como vimos no caso da babá neozelandeza, muitas vezes a causa verdadeira é muito difícil de ser conhecida. O pânico foi tão grande (dizia-se que 2 a cada 10 mortes de crianças com menos de um ano de idade seria devida à SIDS, se isso for verdade, seria a maior causa de morte nessa faixa de idade), que alguns pais contrataram pessoas para vigiarem a criança todo o tempo. A venda das chamadas “babás eletrônicas” (um sistema de intercomunicação por altofalante, que interliga o quarto do bebê com o quarto dos pais) explodiu. O número de diagnósticos feitos aumentou rapidamente, dando a impressão que era uma doença em franco crescimento. Passado o reboliço, entretanto, e cessada a novidade, começou a declinar o número de casos.

Alguns pesquisadores chegaram a propor vários mecanismos patológicos para explicar a SIDS. Um deles seria um defeito no sistema respiratório das crianças durante o parto. A primeira respiração da criança, quando nasce, é uma coisa complicadíssima, do ponto de vista da fisiologia. Até segundos antes do parto, o pulmão da criança está inativo e cheio de líquido, pois ela recebe da mãe todo o oxigênio que precisa, através da circulação sangüínea do cordão umbelical. Além disso, o bebê está imerso no líquido amniótico, que preenche o útero da mãe. Ao ocorrer o rompimento do saco amniótico, momentos antes do parto, o bebê fica “a seco” mas ainda não respira por conta própria. Somente quando ocorre o parto e a interrupção da circulação umbelical é que o sistema respiratório recebe o estímulo para a primeira inspiração. Esse é o momento que provoca suspense em todos, pediatras, obstetras, mãe e pai (se esse estiver na sala...). Existe o proverbial “tapa nas nádegas”, que seria um estímulo doloroso aplicado pelo obstetra para acordar uma criança com preguiça de respirar. E, se ela não respirar, começa a entrar em anóxia (“bebê azul”) e em sofrimento cerebral, podendo causar seqüelas, se for muito prolongada.
Crianças prematuras e com peso abaixo do normal ao nascer têm várias dificuldades de desenvolvimento, inclusive do sistema respiratório. Este é um fator de risco para a SIDS. Fatores maternos também são importantes. Um estudo sueco, que investigou quase 300 mil nascimentos, indicou uma incidência geral de 7 casos em 10.000 nascimentos, e que o fato da mãe fumar dobrava o risco de SIDS em seu bebê.

Pois bem, para dar a primeira respiração o pulmão precisa estar seco por dentro (alvéolos livres de líquido), o que é feito rapidamente pelo organismo do bebê nos segundos que a antecedem. O pulmão infantil tem uma forte resistência para começar a respirar, pois os alvéolos (onde ocorre a troca de gases entre o ar inspirado e o sangue) estão recobertos ainda de uma fina camada de líquido amniótico. A tensão superficial que se desenvolve entre o ar e o líquido provocaria o colapso do alvéolo (atelectasia), levando a uma enorme dificuldade de respirar. Por isso, algumas células alveolares (pneumócitos), secretam uma complexa mistura de líquidos, chamado de fator surfactante, que diminui essa resistência logo no início. Uma das hipóteses sobre a causa da SIDS é justamente uma deficiência de dois componentes desse fator surfactante, a palmitina e a fosfatidilcolina. Mas este seria apenas um dos prováveis fatores, e os cientistas não estão seguros se o fator surfactante diminuído seria uma causa ou uma conseqüência da SIDS.

A SIDS é uma coisa assustadora, mesmo que muitas dessas mortes possam ser atribuídas a outras causas. Ela é real. Existem, felizmente, algumas medidas preventivas, e parar de fumar, segundo os médicos do estudo sueco, é a mais efetiva de todas. Mais uma contra o “maldito vício”.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 23/11/2001.
Autor: Email: renato@sabbatini.com

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