Um artigo recente no British Medical Journal, uma das mais respeitadas revistas médicas do mundo, fez um alerta impressionante sobre os efeitos que o aquecimento global poderá ter sobre a saúde no próximo século. Duas grandes áreas poderão ser afetadas: a transmissão de doenças infecciosas e a produção de alimentos, principalmente nos países em desenvolvimento.
Existem vários fatores que contribuem para isso. A temperatura mais alta, associada à maior umidade, como acontece nas florestas tropicais, aumenta muito o número dos animais que transmitem os microorganismos que causam as doenças. Quem já visitou a Amazônia (ou Ubatuba !) conhece a enorme quantidade e variedade de moscas, mosquitos, carrapatos, percevejos, piolhos e outros insetos, o que não se constata em climas mais temperados. O Aedes egypti, o mosquito que transmite o dengue, por exemplo sobrevive apenas em uma faixa que vai do sudeste do Brasil ao norte do México. Se a temperatura terrestre aumenta, o mosquito se espalha geograficamente para além dessa faixa, invadindo outras regiões onde ele nunca tinha sido observado. E onde o mosquito vai, a a doença vai junto. A temperatura maior também parece favorecer uma reprodução mais rápida dos microorganismos. Por exemplo, o Plasmodium vivax, causador da malária, diminui o seu ciclo esporogônico em mais de 10 dias, se a temperatura aumentar apenas 2 graus C.
Seria essa a causa do recrudescimento recente de tantas doenças tropicais, como o dengue, a malária, a febre amarela e o cólera morbo ? Não se sabe ao certo. Elas podem ter aumentado em alguns países por causa da redução do investimento em saúde pública, pela degradação urbana e desequilíbrio ambiental causado pelo desmatamento, ou ainda pelo surgimento de resistência dos vetores e dos agentes patogênicos a pesticidas e antimicrobianos. Em alguns casos, como na malária no Brasil, é uma combinação de todos esses fatores. No entanto, somente o aumento de temperatura poderia explicar, por exemplo, o aparecimento de encefalite viral e febre amarela em vários estados do sul dos EUA, diretamente atribuído à proliferação recorde dos mosquitos que a transmitem.
Embora ainda haja muitas controvérsias, um relatório recente da Comissão Intergovernamental sobre a Mudança do Clima, da ONU, concluiu que poderá haver um aumento de até 3,5 graus Celsius na temperatura média do globo terrestre até a metade do próximo século. Este aumento pode estar sendo causado pelo acúmulo de gás carbônico e outros gases emitidos pelas queimadas, indústrias e automóveis, que aumentam o chamado "efeito estufa". Como resultado, as atuais isotermas (linhas que unem pontos do globo que têm temperaturas médias semelhantes) poderão se deslocar até 550 km para o norte e para o sul. Elas também aumentam em relação à altitude (por exemplo, o Dr. Paul Epstein, pesquisador de Harvard, provou que o Aedes já existe em altitudes de até 2.200 metros na Colômbia e na Índia, onde nunca tinham sido constatados antes).
O problema é muito sério. As doenças infecciosas causam 17 das 52 milhões de mortes por ano. Um aumento de apenas 20 a 30 % na zona de distribuição da malária, por exemplo, seria uma catástrofe de proporções gigantescas. Atualmente a malária já afeta mais de 120 milhões de pessoas no mundo, ou 5 % da população, matando quase dois milhões de pessoas por ano !.
Vamos ver o que acontece quando a malária se tornar um problema de saúde pública para os países ricos do hemisfério norte... Os países desenvolvidos têm recursos suficientes para impedir que a proliferação das doenças tropicais tenha um efeito mais sério sobre a saúde de suas populações, através de campanhas de vacinação, de erradicação de vetores, etc. Mas o que acontecerá com os países em desenvolvimento, abandonados à sua própria sorte ?
Os estudos paleometerológicos mostram que a humanidade se espalhou e frutificou num período de extraordinária benignidade e estabilidade climática mundial, que já dura mais de 30.000 anos. Isso permitiu o desenvolvimento da agricultura, as migrações dos povos por quase todos os cantos do planeta, e até mesmo a urbanização. No entanto, a história da Terra mostra períodos onde ocorreram mudanças extremas do clima. A Antártida já foi um paraíso subtropical e o deserto do Sahara uma zona fértil e habitada por muitos animais.
Por quanto tempo isso vai durar ? O destino da humanidade depende dessa resposta.
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 3/10/97.
Autor: Email: renato@sabbatini.com