A coluna que eu escrevi na semana passada,
intitulada "Porque a Homeopatia Funciona",
causou muita polêmica, como era de se esperar. Cheguei a receber
telefonemas de leitores indignados com o fato de eu ter atacado "sem
provas" a eficácia dos medicamentos homeopáticos, e
que usar o termo "efeito placebo" para justificar os resultados
positivos que algumas vezes se obtém com os mesmos seria ofensivo
à respeitabilidade da medicina homeopática !
Longe de mim querer ofender os valorosos colegas homeopatas. Na realidade,
eu não me posiciono contra a homeopatia, por princípio. O
fato de não se conhecer o mecanismo de ação de um
medicamento, como parece acontecer com a homeopatia, não deve ser,
e nunca foi um impeditivo para seu uso prático legal, consentido
e eficaz na medicina. Aliás, a maioria dos medicamentos ainda é
empírico. Um bom exemplo é a famosa aspirina, descoberta
pela empresa alemã Bayer, e que ainda é o medicamento mais
tomado do mundo. Muitos milhares de anos antes de sabermos que o seu princípio
ativo é o ácido acetilsalicílico, e conhecer o seu
mecanismo de ação (o que só foi ocorrer cerca de 20
anos atrás), a humanidade vem usando a casca do salgueiro e outros
produtos naturais ricos nesta substância, para tratar dores e febres,
com grande sucesso.
Meu problema com a homeopatia diz respeito à comprovação
científica de sua eficácia, pois esse é um processo
muito, muito sério na medicina, e que consome milhões de
dólares toda vez que um novo medicamento é descoberto e necessita
de permissão para ser comercializado. A medicina homeopática
escapa deste aparato de comprovação e fiscalização,
baseado em princípios estritamente científicos, e isso é
altamente indesejável para a saúde da população.
É injusto também, e até perigoso (embora o governo
tolere, pois dificilmente as águas diluidas da homeopatia fazem
mal para alguém).
Neste processo, um novo medicamento é testado rigorosamente ao
longo de três fases: na primeira, são realizados estudos com
várias espécies de animais, para comprovar seu efeito biológico
real, efeitos indesejados, etc. Na segunda, são realizados estudos
com voluntários humanos em pequeno número, para determinar
a dosagem e formas de administração mais eficazes, e se o
efeito comprovado nos animais se manifesta também de forma incontrovertida
nos seres humanos. Na terceira fase, o medicamento é testado em
uma população muito maior, fazendo-se um extenso acompanhamento
clínico, nas mais diversificadas condições, e são
estabelecidas as margens de segurança de uso.
A principal arma da ciência médica para comprovar se um
medicamento funciona ou não para um determinado objetivo terapêutico
se chama "ensaio clínico aleatorizado prospectivo duplo-cego".
Ele funciona assim: grupos de pacientes com determinada doença que
se quer tratar, são divididos aleatoriamente em dois subgrupos.
Um deles recebe o medicamento, e o outro recebe um placebo. Ambos são
avisados que podem estar recebendo um ou outro, mas não sabem qual.
Os médicos que fazem o estudo também não sabem, pois
os pacientes são identificados com números, cujo significado
é mantido em segredo até a conclusão do estudo. Por
isso se chama duplo-cego. Isso é feito assim porque se comprovou
amplamente que a expectativa de um efeito por parte dos pacientes ou dos
médicos influencia muito o resultado.
Depois que um grande número de pacientes é estudado desta
forma, fazem-se exaustivos e complexos testes estatísticos, usando-se
computadores e bancos de dados, para se determinar-se objetivamente se
existe uma diferença significativa entre os grupos controle e tratado.
Somente quando este efeito tem uma magnitude considerada clinicamente útil
é que o medicamento pode começar a ser usado.
Existem muitos trabalhos médicos, inclusive em homeopatia, que
não têm nenhum valor científico comprobatório
da eficácia de medicamentos. Geralmente eles são feitos assim:
o médico relata um grupo de pacientes com doença X, que tratou
com o medicamento Y, e que obteve uma porcentagem Z de cura ou melhora.
Esses resultados, embora possam indicar um efeito válido, são
anticientíficos, porque não se tomou o necessário
cuidado de comparar com pacientes que nada tomaram, ou foram submetidos
a um outro tratamento. Alguns pacientes podem ter melhorado espontaneamente,
por exemplo. Ou então, foram realizados outros tratamentos simultaneamente,
o que torna impossível determinar qual foi a contribuição
real de cada um no sucesso terapêutico.
Há quatro anos atrás, a medicina homeopática saudou
com entusiasmo (e um certo sabor de vingança) os resultados de experimentos
feitos por um biólogo chamado Jacques Benveniste (1),
do INSERM, uma prestigiosa instituição de pesquisa francesa,
e cuja publicação foi aceita pela rigorosissima revista científica
"Nature". Benveniste usou soro contra imunoglobulina diluido
enormemente (30X), e disse ter comprovado um efeito imunobiológico
(sobre células brancas do sangue), em comparação com
os grupos controle. Os revisores do trabalho consideraram sua metodologia
absolutamente correta e científica, e autorizaram a publicação.
Benveniste propôs como hipótese para seus resultados uma "memória"
do medicamento ativo, mantida pela água. No entanto, frente a um
clamor mundial de indignação dos cientistas médicos,
uma comissão foi até o laboratório de Benveniste estudar
seus métodos, e descobriu diversas irregularidades. Mais ainda,
nenhum cientista, em nenhum lugar do mundo, usando os mesmos métodos,
drogas e animais, conseguiu reproduzir os seus resultados, o que foi fatal
para sua carreira. A medicina homeopática, no entanto, continua
a citar seus resultados como prova científica dos seus princípios
terapêuticos.
Soube recentemente que Benveniste fundou um instituto dedicado a pesquisar a tal "memória" da água. Ele chegou a afirmar que conseguiu transmitir o efeito terapêutico homeopático através do correio eletrônico !! Vou deixar as conclusões para os leitores...
1 - Davenas, E. et aI. "Human basophil degranulation
triggered by very dilute antiserum against IgE" Nature 1988; 333:
816-818
Para Saber Mais: A Homeopatia Funciona ?
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,.19/11/97.
Autor: Email: renato@sabbatini.com