Informática
Médica
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Preservando a Confidencialidade
Médica na Internet
Renato M.E. Sabbatini
Revista Check-Up
Veja também: Índice
de Artigos de Informática Médica de Renato M.E. Sabbatini
O fantástico avanço
de redes globais de computadores, como a Internet (que já tem cerca
de 45 milhões de computadores interligados e 180 milhões
de usuários) tem o potencial de afetar enormemente a prática
médica como a conhecemos hoje, e isso já está começando
a acontecer. No Brasil, poucos médicos têm conhecimento, mesmo
que superficial, de algumas dessas mudanças mais revolucionárias,
como, por exemplo, os prontuários médicos dos pacientes disponibilizados,
com imagens e tudo, na WWW (World Wide Web), para acesso de qualquer parte
do mundo.
No entanto, mesmo que
muitos profissionais de saúde não concordem entre si quanto
à oportunidade e relevância dessas tecnologias para a prática
médica, quase todos têm uma preocupação em comum:
o grande perigo que a Internet oferece para a privacidade dos pacientes,
a segurança das informações armazenadas, e a preservação
da confidencialidade dos dados médicos. Basta prestar atenção
no noticiário diário e anotar as centenas de casos recentes
de “hackers” (os novos piratas do ciberespaço) que entram em bases
de dados e “sites” na Internet de empresas e instituições
governamentais, alterando-os, apagando informações, implantando
vírus, etc, O potencial de dano e mau-uso intencional na área
da saúde são muito grandes. Dois anos atrás, por exemplo,
ocorreu um caso na Califórnia em que a máfia chinesa de São
Francisco entrou ilegalmente nos computadores de uma rede hospitalar, localizou
todos os prontuários de pacientes HIV+ e de ótimo nível
econômico. Essas informações foram usadas para chantagear
vários deles, membros proeminentes das sociedades locais.
Como Proteger
Embora exemplos como
esse sejam muito raros, vai ser difícil convencer os pacientes e
os médicos autorizarem e, mais importante, sentirem-se confortáveis
com relação à informação médica
confidencial colocada em computadores ligadas à Internet. É
um problema de cultura e percepção dos perigos reais ou imaginados.
Duas coisas, no entanto, estão bem estabelecidas:
1)os
problemas de confidencialidade, privacidade e segurança criados
pela tecnologia somente poderão ser resolvidos pela própria
tecnologia. E isso será relativamente fácil de conseguir,
pois os métodos existentes de criptografia e controle de acesso
são mais que suficientes para garantir qualquer nível de
proteção desejado, muito maior do os sistemas convencionais;
2)À
medida em que os sistemas on-line de informação médica
individual forem se tornando mais comuns surgirão diversas opções
de acesso, que darão ao consumidor e ao profissional o controle
sobre seus próprios dados, a quem eles poderão ou deverão
ser mostrados, e o grau de detalhe das informações disponíveis.
Basta pensar que, se
não existissem métodos altamente confiáveis de segurança
de dados, não teria sido possível para o setor financeiro
(Internet Banking, por exemplo) terem se desenvolvido tanto como ocorreu.
Certamente ter uma conta bancária disponível através
da Internet, e poder realizar operações de pagamento e transferência
on-line de valores monetários nunca teriam sido implementados se
não houvesse uma confiança muito grande nas técnicas
atuais de criptografia (codificação de dados para impedir
o acesso não autorizado). Quando você utiliza um serviço
de Internet Banking, note que o ícone do cadeado localizado na barra
de operações (canto inferior esquerdo) do browser (Netscape,
Internet Explorer, etc.), aparece fechado. Isso significa que a sua conexão
de Internet está agora operando em “modo seguro”, e que é
praticamente impossível alguém que estiver “na escuta” possa
visualizar os números de cartões de crédito e outras
informações sigilosas repassadas por você ao site que
está acessando. Em jargão da WWW, isso se chama protocolo
SSL (Secure Socket Layer). Você está correndo um risco milhares
de vezes maior de Ter seu número de cartão crédito
roubado em uma pizzaria ou farmácia em que fez uma compra no Brasil,
do que tê-lo roubado ao acessar um site na Internet. Até mesmo
as mensagens de correio eletrônico (e-mail) podem ser criptografadas
antes de serem enviadas, o que torna a comunicação entre
paciente e médico, ou entre médicos, extremamente segura
através desse meio.
Portanto, não
há razão para que não se utilizem esses métodos
de segurança de dados na área médica, também.
Dados Comunitários
Uma experiência
interessante de como preservar a confidencialidade médica, e ao
mesmo tempo fornecer um serviço de alta qualidade e relevância
de informação médica individual através da
Web, foi relatada recentemente no Congresso Anual da Associação
Americana de Informática Médica, em Washington, DC. A comunidade
de saúde da cidade de Providence, no estado de Oregon, centralizou
os prontuários médicos de todos pacientes vinculados aos
hospitais da cidade em um sistema computadorizado desenvolvido pela empresa
MedicaLogic, Inc., chamado Logician. O experimento pioneiro consistiu em
disponibilizar esses prontuários eletrônicos, que contêm
um sumário bastante extenso da vida clínica dos pacientes
(inclusive internações, imunizações, visitas
ambulatoriais, programas preventivos, informações sobre plano
de saúde, etc.) através da Web, em uma interface fácil
de utilizar e de acesso universal (basta ter uma conexão qualquer
à Internet, um computador com Windows, e o programa Netscape). A
segurança do sistema é controlada através de um certificado
digital, uma espécie de arquivo criptografado, que fica residente
no computador do paciente e o identifica inequivocamente para o sistema
onde estão os prontuários. Além disso, todos os dados
transmitidos seguem o protocolo SSL, igual ao usado pelos bancos.
No projeto piloto,
cerca de 4.000 pacientes utilizaram o sistema, sendo que 67% deles o fazem
através de um PC localizado em suas casas. Além de poderem
visualizar todas as informações disponíveis em seus
prontuários, os pacientes também têm disponíveis
funções de comunicação com os provedores de
serviços de saúde (médicos, hospitais, clínicas,
etc.) e com as seguradoras médicas, através de e-mail. Cerca
de metade das mensagens enviadas dizem respeito à informações
clínicas (tais como perguntas sobre doenças e saúde
aos médicos, marcação e desmarcação
e desmarcação de consultas, pedidos de repetição
de receitas médicas, etc.) e a outra metade à informações
administrativas. Para cada grupo de 100 pacientes, os médicos recebem
uma média de 2 mensagens por dia, sendo uma sobre assuntos clínicos
e a outra sobre assuntos administrativos; o que caracteriza uma carga relativamente
grande sobre médicos com muitos pacientes. O médico não
precisa responder pessoalmente à todas as perguntas, no entanto:
esse papel pode ser atribuído à assistentes médicos,
enfermeiras, etc., ou terceirizado com empresas que fazem esse serviço
por uma taxa mensal modesta (tipicamente 100 dólares) para o médico,
de uma forma totalmente transparente para o paciente. Os pacientes também
têm o direito de suprimir, corrigir e adicionar informações
ao prontuário, tipicamente fazendo isso através de mensagens
de e-mail enviados ao hospital ou médico responsável.
A satisfação
dos pacientes de Providente é significativa: 85% dos pacientes afirmaram
que gostaram muito da possibilidade de visualizar suas informações
médicas pela Internet, e 75% afirmaram confiar no grau de privacidade
e confidencialidade proporcionado pelo sistema. Mais importante, 80% dos
pacientes utilizam a Internet como fonte principal de informações
sobre a própria saúde, e pretendem utilizar cada vez mais
no futuro.
Vantagens Virtuais
Diversos recursos de
informática disponibilizados através do sistema da MedicaLogic
(e de outros semelhantes, como o HeaLink, Healtheon, etc.) permitem a implementação
de funções jamais sonhadas pelos médicos e pacientes.
Por exemplo, ao analizar o conteúdo dos prontuários, um sistema
automático pode adicionar “links” ao registro médico, permitindo
que o paciente ache facilmente informações na Internet sobre
sua(s) doença(s), medicamentos que está utilizando, práticas
preventivas de doenças, campanhas de saúde e de imunização
em andamento, últimas notícias e novidades médicas,
novos tratamentos, etc. O sistema também pode emitir alertas automáticos
e lembretes, que chamam a atenção do paciente para datas
importantes, como a necessidade de fazer a mamografia anual, ou o check-up
cardiovascular, ou a visita de controle ao dentista, etc. Tudo isso aumenta
muito a qualidade do atendimento médico, e dá um serviço
espetacular ao paciente e ao médico, aumento o senso de comunidade
e melhorando o relacionamento médico-paciente, médico-seguradora,
e paciente-seguradora. Outras metodologias interessantes testadas são
o registro de todos os medicamentos ativos para o paciente, e a detecção
automática de interações medicamentosas, com óbvios
benefícios.
O conceito é
fascinante: o registro médico deixa de ser um documento passivo,
difícil de entender, afastado do paciente, para ser um instrumento
ativo, uma central de serviços de informação, um promotor
de saúde e de prevenção de problemas, e um poderoso
educador de pacientes e divulgador de informações confiáveis
sobre medicina e saúde.
Médicos Atarantados
O único problema
detectado em sistemas pioneiros como o que acabei de relatar é o
causado pelos médicos em si: completamente despreparados para essa
verdadeira revolução, que capacita muito mais o paciente
quanto ao domínio sobre a informação sobre suas condições
médicas, resistem o quanto podem à novidade e sentem dificuldades
para se adaptar ao mundo virtual que está tomando conta da área
da saúde.
A revolução,
no entanto, é irreversível. Chegou a hora de nos educarmos,
e nos prepararmos para a transição de um mundo médico-cêntrico
para outro, paciente-cêntrico, repleto de desafios e oportunidades.
Quem não entender esse novo mundo, ficará para trás.
Para Saber Mais
Congresso da AMIA, Outono
1999, Washington, DC: www.amia.org
MedicaLogic: www.medicalogic.com
Renato
M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e diretor associado doNúcleo
de Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, SP.
Foi também diretor de informática médica da AMB,
e é editor científico das revistas Informática
Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com
Copyright 1999 Renato M.E. Sabbatini
Todos os direitos reservados. Proibida a cópia
para fins comerciais.
Publicação na Web: 23/12/2000.
URL: http://www.sabbatini.com/renato/papers/checkup-10.htm