Informática Médica

Segunda Opinião Médica e a Internet

Renato M.E. Sabbatini



Revista Check-Up No. 16
Veja também: Índice de Artigos de Informática Médica de Renato M.E. Sabbatini


"Segunda opinião" é um termo usado pelos serviços médicos para designar uma consulta adicional com outro médico ou grupo de médicos, solicitada pelo paciente ou pelo médico que o está atendendo. Devido ao nível crescente de conscientização e conhecimento dos pacientes a respeito de seus problemas de saúde, ao nível de complexidade científico e técnico da medicina, e também aos problemas legais e econômicos associados à prática médica, as atividades de segunda opinião estão ficando cada vez mais importantes.

Do ponto de vista do paciente, conseguir uma segunda opinião médica pode ser um processo laborioso, demorado e caro. Em alguns casos, planos de saúde nos EUA têm exigido uma segunda opinião antes de decidir por uma cirurgia eletiva cara, portanto se dispõe a pagá-la para o paciente. Na maioria das vezes, no entanto, condições de saúde ou doença pouco importantes são o motivo de uma segunda opinião, e nesses casos o paciente pode ser obrigado a arcar com os custos. Por isso muitos preferem fazer uma segunda consulta ou um segundo exame, por conta própria (o que não é a mesma coisa que uma segunda opinião, que é baseada sempre em algo já feito).

Existem importantes fatores econômicos envolvidos na segunda opinião médica. Um sistema bem regulamentado deste tipo, se oferecido pelos planos de saúde, tem um bom potencial de diminuir os custos do tratamento, bem como a incidência de riscos e de erros. A segunda opinião através da Internet pode baixar esses custos ainda mais, por não exigir a viagem e a estadia do paciente. Alguns planos de saúde estão oferecendo o direito à segunda opinião a certos tipos de usuários do sistema (os planos de maior valor, por exemplo), muitas vezes com médicos e entidades da Europa e EUA. É uma estratégia bastante atraente em termos de marketing.
 

Quando procurar


A Associação Médica Americana tem um decálogo a respeito das justificativas para a solicitação de uma segunda opinião. A condição do paciente pode estar fora da especialidade do médico, ou então o paciente quer ter acesso a informações sobre outras formas de tratamento, que o médico não gostaria ou não poderia realizar. É muito comum também o paciente ficar insatisfeito com a falta de um diagnóstico conclusivo ou caro, ou um número exagerado de tentativas de tratamento sem obter resultado. A doença pode ser muito grave ou muito rara, ou existe muita polêmica e pouca concordância entre os especialistas como tratá-la. O médico pode estar dando pouca informação sobre a doença do paciente, ou ignorando seus apelos de esclarecimento.

Os médicos sabem que a segunda opinião é necessária muitas vezes, e que os pacientes se sentiriam mais seguros se pudessem obtê-la. O paciente, por sua vez, tem todo o direito de solicitar uma segunda opinião, independentemente da posição de seu médico. No Brasil, é muito comum o paciente ficar inibido e com medo de ofender o médico ao solicitar uma segunda opinião (aliás, com razão: alguns médicos sentem-se ofendidos, ao achar que o paciente está fazendo pouco caso de sua competência profissional). Com isso, a segunda opinião regulada é uma atividade pouco comum no País, e infelizmente muitos pacientes procuram outro médico sem contar nada para o primeiro, e depois ficam tentando tirar uma "opinião média", para a qual não têm a mínima competência, por serem leigos. Isso chega a ser perigoso, dependendo da doença.

A prática de pedir uma referência ou dizer para o primeiro médico que o atendeu, que deseja uma segunda opinião, é muito importante e positivo, até mesmo pelo ponto de vista da ética. Como o paciente vai ter que dar resultados de exames, conclusões diagnósticas e terapêuticas, etc., elaborados pelo primeiro médico que o atendeu, é mais do que justo que este fique sabendo que isto está acontecendo e tenha o direito a saber também qual foi a segunda opinião dado pelo colega.

A tecnologia ajuda


A Internet e a WWW têm facilitado tremendamente a implementação de serviços on-line de segunda opinião, particularmente na área de laudos de imagens e de sinais, patologia, etc., pois nessas situações não se exige que o médico consultor entre em contato direto com o paciente. Muitos planos de saúde nos EUA já pagam por esses serviços dados pelos médicos consultores.

Hoje em dia, muitos pacientes estão procurando informação na Internet para checar se é correto o que seus médicos disseram em uma consulta ou atendimento. A Internet dá um acesso fácil e gratuito à muita informação biomédica, muitas vezes sendo uma espécie de "segunda opinião" acerca das recomendações dadas pelos seus médicos. Por exemplo, a base de dados on-line MEDLINE, que contém resumos de mais de 10 milhões de artigos de revistas médicas especializadas, pode ser acessada por qualquer um, e pesquisada usando-se palavras-chave. Os pacientes também podem acessar as mesmas fontes de informação e sites, como as últimas notícias sobre tratamentos de doenças, que seus médicos utilizam, dando aos pacientes uma maior percepção e controle sobre seus próprios problemas. Por
outro lado, muitos médicos temem que os pacientes achem que sabem mais sobre as doenças do que eles, e que isto pode atrapalhar o tratamento. No entanto, apesar da facilidade de acesso, esses recursos on-line de diagnóstico e tratamento felizmente nunca substituirão o médico ou mesmo causarão uma diminuição no seu papel central que eles tem na atenção à saúde; ao contrário: eles o complementam e aumentam sua qualidade e segurança.  É muito importante para os novos "portais" de saúde na Internet entender essa nova dinâmica, e como proporcionar serviços de informação médica em sintonia com as necessidades do mercado.

Telemedicina e segunda opinião


A telemedicina veio em auxílio dos sistemas de segunda opinião médica, ao tornar possível o intercâmbio rápido de informação entre dois pontos remotos, usando computadores e telecomunicações. O Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, por exemplo, montou uma sala de telemedicina dotada de videoconferência, microscópio e visor de radiografias ligados a um sistema de telecomunicação digital rápida, que permite um médico do Hospital conversar com outro do Centro Sloan-Kettering de Oncologia de Nova Iorque sobre o caso de um paciente com câncer. Radiografias ou imagens microscópicas patológicas podem ser enviadas de um lado para o outro, examinadas e discutidas, tudo em tempo real. A descrição do caso, e os resultados de exames de laboratório podem ser enviados rapidamente via Internet. Em alguns casos, exames videoendoscópicos e oftalmológicos podem ser capturados em tempo real e enviados junto com a discussão.

O Centro Médico da Universidade de Miami é outra instituição clínica de renome que transformou a segunda opinião em um rentável negócio voltado para o mercado latino-americano. Ele dispõe de um bem equipado centro, que oferece serviços de segunda opinião de dois tipos: para outros médicos, e diretamente para o paciente.

Esse tipo de sistema de segunda opinião é bastante caro, pois exige uma infra-estrutura de computação e comunicação, além do aparelhamento de videoconferência e dos periféricos médicos especiais. O custo de uma tele-sala pode passar facilmente dos 100 mil reais. Por isso, não é o sistema mais usado em projetos de telemedicina voltados para a segunda opinião.

Por incrível que pareça, o sistema mais usado é o bom e velho correio, dessa vez incrementado pelos serviços de "courier" expresso, como FedEx ou UPS. Na maioria dos casos, desde que não haja urgência, é o mais adequado e barato, principalmente se for necessário enviar filmes de tomografias, radiografias originais em tamanho grande, pastas com muitos dados ou imagens, ou amostras biológicas. No entanto, o Prof. Walker Long, do Centro de Telemedicina, mostrou que o envio de imagens dinâmicas de ecocardiografias pediátricas através de conexões telefônicas ponto-a-ponto resultou em uma economia em relação ao preço do correio normal, além de ter, obviamente, uma velocidade incomparavelmente maior de entrega.

De qualquer forma, se o consulente tiver acesso a um "scanner" (digitalizador de imagens) capaz de trabalhar com radiografias, de boa resolução, é possível enviar-se as imagens nesse formato, até mesmo como um anexo de uma mensagem de correio eletrônico. A companhia MediZeus, fundada por médicos e engenheiros de Atlanta, nos EUA, utiliza muito esse recurso para operar um serviço de segunda opinião em mamografia.

Conclusões


A comodidade e a velocidade proporcionadas pela Internet dará um grande impulso à atividade da segunda opinião médica em todo o mundo, e ela poderá se transformar em uma atividade bastante rentável para a medicina (poderão surgir os "telemédicos", em várias especialidades, os quais dedicar-se-ão exclusivamente à tarefa de auxiliar outros colegas ou instituições na área de segunda opinião.

Recursos na Internet



Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, SP. É também diretor de informática médica da AMB, e editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com

Copyright 1999 Renato M.E. Sabbatini
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Publicação na Web: 23/10/1999.

URL: http://www.sabbatini.com/renato/papers/checkup-13.htm