Informática Médica

A Informática no Hospital Moderno

Renato M.E. Sabbatini


Revista Check-Up No. 17
Veja também: Índice de Artigos de Informática Médica de Renato M.E. Sabbatini


 
É impossível imaginar-se hoje a administração de um hospital sem utilizar os recursos da informática. São muitas as vantagens e os benefícios, mas o dono ou o administrador do hospital (geralmente um médico) precisa conhecê-los bem e compará-los com os custos e os riscos envolvidos na informatização. Neste artigo vamos examinar algumas das tendências modernas nesse sentido.

A evolução da informática nos últimos 25 ou 30 anos levou a uma migração dos sistemas computacionais grandes e de alto custo para os pequenos sistemas, de custo menor e desempenho comparável. Na década de 70 e 80, surgiram os computadores de grande porte, chamados de "mainframes", e que ainda hoje são utilizados por vários hospitais. São sistemas centralizados com um computador central de grande porte e muitos terminais localizados dentro do hospital em vários setores do hospital. Todas as informações e dados médicos, como registros médicos, agendamento, censo de leitos, materiais, contas-correntes etc., são armazenados no computador central.

Felizmente, a tecnologia mudou. Hoje pode-se escolher o tamanho do computador mais adequado para sua organização, evitando-se ter que comprar um computador grande e contratar uma equipe cara, mesmo se o seu hospital fosse pequeno. Os terminais baseados em microcomputadores também levaram à diminuição do tamanho da informática na organização, até mesmo do ponto de vista de pessoal.

Sistemas Distribuídos

Essa tendência geral da informática é o que denominados de "sistema distribuído": ao invés de um único computador central, há um computador em cada setor - o computador do laboratório, da farmácia, dos ambulatórios, redes locais localizadas em vários setores do hospital - o que faz com que o sistema não somente fique mais confiável e mais independente de falhas do sistema central, mas também permite a implementação de soluções muito interessantes, como, por exemplo, cada setor ter a sua base de dados.  No ambulatório de cardiologia, por exemplo, há muitos dados que só interessam à cardiologia, assim como há outros dados que interessam ao hospital como um todo, como o SAME.
Uma possibilidade muito interessante é a de se conectar quase todos os equipamentos médicos modernos que existem dentro do hospital à própria rede de informática do hospital, pois geralmente eles já vêm uma interface digital ou uma placa de rede. Então, por exemplo, um analisador bioquímico do sangue, que faz cerca de 300 análises por hora, já tem um computador embutido que pode ser ligado à rede do hospital, de forma que se elimina o intermediário de digitação dos resultados do laboratório, entrando diretamente o exame para a ficha do paciente.

Os equipamentos de análise de sinais, como eletrocardiografia, ou de imagens, como ultrassom, tomografia etc., também podem ser integrados à rede hospitalar. Através de um sistema denominado PACS (Picture Archiving and Communication System) as imagens podem ser geradas digitalmente em um único ponto e distribuída para visualização em todo o hospital ou fora dele, através de microcomputadores no departamento de radiologia, na UTI, nos próprios laboratórios, onde elas se tornam imediatamente disponíveis. As imagens geradas podem, inclusive, ser armazenadas em CD-ROMs e outros tipos de discos ópticos de baixo custo.

A Estação de Trabalho Médica

O objetivo principal da informática médica é colocar o computador no chamado ponto de assistência, ou point of care, ou seja, a geração e o uso da informação clínica ocorre quando o profissional de saúde está em contato com o paciente, no consultório médico, ambulatório, enfermaria, sala de cirurgia, etc.Por exemplo, ao lado de cada um dos leitos de um hospital pode-se colocar um microcomputador, através do qual as enfermeiras os médicos têm acesso aos dados clínicos do paciente. Isso tem por objetivo chegar ao "hospital sem papel". Essa é uma solução inevitável, porque representa uma relação custo-benefício tão favorável do ponto de vista técnico-financeiro, que não há como não adotá-la.O mesmo sistema pode ser usado en outros pontos de assistência: na sala cirúrgica e na UTI, onde a monitoração dos pacientes pode ser registrada no computador e preservada para fins legais e médicos.

Todos esses conceitos estão convergindo para algo chamado estação de trabalho médica, um dispositivo que possibilita ao profissional de saúde acessar os dados, as funções e o conhecimento que ele necessite, mesmo que estejam dispersos em uma rede de computadores. Isso é feito de forma transparente, como se todos os dados estivessem na mesma máquina, ou seja, a forma de acesso à informação é ditada pela tarefa e não mais pela função do software, pela organização dos dados ou pela sua localização. A estação de trabalho médica utiliza um conceito muito semelhante à Internet, ao WWW, para implementar registro médico, imagens médicas, sinais biológicos, monitoração vital, livros médicos eletrônicos, acesso a bases de dados remotas, como à bases de dados bibliográficas, o software de apoio à decisão, a intercomunicação entre as estações, permitindo o trabalho em grupo, e a telemedicina, dentro desse conceito.Além disso, ela utiliza a multimídia, com som, imagem, CD ROM, microfone etc., e permite implantar registros médicos com todos esses elementos: o registro médico do futuro terá, além do texto e da imagem do paciente, uma série de informações de caráter visual e gráfico, como o eletrocardiograma, a ficha médica do paciente e sua radiografia, integrando em uma única interface, muito fácil de usar e muito intuitiva.

A estação de trabalho médica permite implantar também os sistemas de apoio à decisão, que ajudam o profissional de saúde a chegar a um diagnóstico mais correto em menor tempo e com maior segurança. Isso é algo ainda não muito utilizado, porque não existe uma cultura de utilização de softwares desse tipo no meio médico. Mas certamente no futuro eles devem tornar-se transparentes para o usuário médico dentro do hospital. Por exemplo, atualmente muitos equipamentos biomédicos, como os eletrocardiógrafos, são capazes de fazer um interpretação diagnóstica bastante complexa e sofisticada, e com alto grau de acerto - em torno de 95%. De que forma esse tipo de software também pode estar disponível na estação de trabalho médica

Também é possível colocar livros-texto, revistas etc. na rede do hospital, aumentando a qualidade da informação. Pode-se colocar livros como Harrison, Princípios de Medicina Interna, o Oxford Textbook of Medicine - livros excelentes de referência médica para ser consultados através de rede, não havendo necessidade de o médico ir até uma biblioteca ou de ter um exemplar em papel.

As intranets

Qual é o impacto que a tecnologia da Internet está tendo dentro de uma organização clínica? Ela se dá de muitas maneiras, mas a principal é a que chamamos de Intranet, um sistema de informação implementado em uma rede local do próprio hospital, utilizando-se o mesmo protocolo, a mesma forma de comunicação que a Internet, que se chama TCP/IP. Ele também utiliza tecnologias e serviços da Internet - correio-eletrônico interno, e uma web própria, que permite a visualização de documentos multimídia e implementa a interatividade, o diálogo, a transação.


Fisicamente, uma Intranet pode ser instalada em qualquer rede local, podendo ser baseada em microcomputadores, com um servidor cujo tamanho vai depender das dimensões da organização - pode ser desde um Pentium até um computador maior. A  conexão normalmente é do tipo Ethernet, que usa placas especiais, baratas, e um barramento entre todos os computadores, baseado em cabos coaxiais, fibras óticas ou fios comuns de telefone. É de fácil implementação. Um engenheiro de redes, treinado em Intranet, em dois ou três dias instala uma rede local que existia para algum outro objetivo, sendo que a maior parte do software já existe em domínio público. Se for desejável um software mais profissional, existem alguns bem caros no mercado, mas outros de domínio público estão disponíveis para a implantação de Intranets baratas.

Esse conceito de intranet tem tantas vantagens, que atualmente, nos EUA, a maior parte dos hospitais tem se movido com uma velocidade muito grande no sentido de implantar a Intranet, substituindo em parte os sistemas tradicionais. Entre as características da Intranet, uma das mais importantes é que qualquer tipo de computador pode ser ligado a ela. A isso chamamos de plataforma heterogênea, sem a necessidade de todos os computadores serem do mesmo tipo, do mesmo fabricante. Pode-se ter acesso multimídia, implantar formulários, e, o mais importante, como ela funciona como uma Internet, é fácil a navegação, a expansibilidade, e o treinamento dos usuários fica extremamente simples e muito rápido. Todos os custos de implantação da Intranet são bem inferiores aos sistemas em tempo real, mais antigos.

Nas aplicações avançadas da Intranet, pode-se ter áudio, como a rádio-hospital, transmitida pela Intranet, áudio-conferência, vídeo-conferência, grupos de trabalho, diálogo on line - várias soluções que numa rede seriam extremamente caras e difíceis, mas que na Internet podem ser implantados usando-se apenas programas de domínio público.

A grande vantagem do conceito de Intranet para uma organização clínica é que os próprios usuários da informação aprendem a colocar a informação no sistema. No paradigma anterior era necessário ir ao usuário, conversar com ele, pegar todas as informações, levá-las a um grupo de desenvolvimento e análise para ele fazer um software complicadíssimo, que levaria dois anos para funcionar. Esse modelo está começando a ser derrotado por uma tecnologia muito mais democrática e acessível, onde o próprio usuário gera informação de setor para toda a organização. Aos poucos, estão se desenvolvendo ferramentas adequadas para isso, principalmente no sentido de manter o aspecto confidencial e da proteção dos dados, que são aspectos muito sérios.

Conclusões

Isso tudo dá uma idéia sobre para onde a tecnologia está se movendo na área de informatização de hospitais. As chamadas arquiteturas e padrões abertos, como é o caso da Internet, vão facilitar muito a informatização das instituições, porque são mais fáceis de serem implantadas. Os custos elevados já deixaram de ser a preocupação maior do administrador hospitalar.
Resta apenas um problema mais sério, que é relativo ao aspecto humano da informática: como conseguir fazer os profissionais de saúde usarem o sistema? Como padronizar a nomenclatura, os procedimentos, as fichas? Como treinar e convencer as pessoas a usarem? Sem resolver essas preocupações primeiro, todas as tentativas de introduzir tecnologias de informação complexas e caras no hospital poderão falhar.

Endereços na Internet


Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, SP. É também editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com

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