Informática Médica

Banda Larga: A Internet à Toda

Renato M.E. Sabbatini


Revista Check-Up No. 18
Veja também: Índice de Artigos de Informática Médica de Renato M.E. Sabbatini


 
Pergunte a qualquer internauta qual é a coisa que mais o irrita e ele dirá que é o acesso muito lento à Internet. Essa é uma queixa constante, e não apenas no Brasil. O motivo: mais de 90 % dos usuários ainda usam conexões discadas (através da linha telefônica), com velocidades abaixo de 30 kbps (mil bits por segundo). No Brasil, essa proporção é ainda maior. Muitas aplicações em medicina, como a transmissão de imagens e a videoconferência, ficam praticamente impossíveis de serem realizadas com qualidade pela Internet, exigindo caras conexões especiais (dedicadas).

A Internet só vai ser uma coisa tão comum como o telefone nas residências, no dia que o acesso for barato e de alta velocidade. É a chamada "banda larga". Mas o que é isso? Para que serve?

"Banda", em engenharia de telecomunicações, é uma expressão que identifica qual é a faixa de freqüências dos sinais de comunicação que um sistema permite passar. Isso depende basicamente do hardware, como os circuitos dos comutadores e roteadores, e do tipo de meio de transmissão (par de fios de cobre, cabo coaxial, cabo ótico, canal de rádio de microondas, etc.). Como quanto maior for a freqüência do sinal portador, maior será a velocidade de transmissão, "banda larga" (broadband, em inglês) significa altas velocidades, e esse termo assume diferentes significados à medida que progridem os padrões de telecomunicação no mundo. Atualmente, banda larga para o usuário é qualquer coisa acima de 256 Kbits/segundo, pois os modems mais comuns já permitem velocidades a cerca de um quinto disso.

Oferecer serviços de banda larga na Internet depende de duas coisas: uma é a velocidade das rotas entre cidades e entre países. Isso não depende dos usuários, é óbvio: são as grandes empresas de telecomunicações, como a Embratel, MCI, Sprint, etc., que fazem isso à medida que a demanda aumenta. A outra parte da solução já é muito mais complicada: é a extensão da chamada "banda larga" à casa do usuário. É um problema chamado de "last mile" (última milha), que é montar a infra-estrutura de conexão do usuário até a central de comutação.

Chegando em sua casa

Atualmente existem várias tecnologias que permitem isso: as duas mais comuns e acessíveis são os fios telefônicos comuns e TV a cabo. Em algumas das maiores cidades do Brasil, os usuários residenciais já têm à sua disposição tecnologias de acesso via modem bem mais rápidas que as atuais, como Speedy e Virtua. As duas tecnologias mais promissoras utilizam modems digitais de alta velocidade: os modems para cabo ("cable modems"), que podem trabalhar com os cabos passados pelas empresas de TV a cabo, e os modems DSL ("Digital Subscriber Line", ou linha de assinante digital), que trabalham com os fios de cobre comuns usados para as ligações telefônicas (os mesmos usados pelos modems atuais). Outra vantagem dessas conexões a cabo é que elas são permanente, 24 horas por dia, sem pagar tarifas variáveis, e sem discagem telefônica. É uma conexão altamente confiável, que praticamente nunca cai.

Ambas prometem acesso super-rápido à Internet e já existem em muitas cidades brasileiras. Dependendo do tipo, essa velocidade pode chegar a ser 160 vezes mais rápida do que os modems analógicos mais velozes existentes hoje, de 56 Kbps. Como o DSL trabalha com as linhas telefônicas existentes, o seu uso exige um investimento muito menor na infra-estrutura por parte das companhias telefônicas. No caso dos modems de cabo, eles só podem ser usados quando a estrutura atual da grande maioria das TVs a cabo que chegam às residências é modificada para permitir o tráfego digital nas duas direções, à alta velocidade.

Aplicações Revolucionárias

A Internet de banda larga será uma revolução dentro da revolução, pois permitirá a conexão dos provedores comerciais a um "backbone" (a malha formada pelas principais supervias de informação) do tipo Internet 2, que nos EUA chegará a velocidades de 1 Gbit/seg, e no Brasil até 300 Mbit/seg em pouco tempo. Entre os setores que passarão por uma grande transformação estão os seguintes:

Uma das principais aplicações é chamada de multicasting, ou seja, áudio e vídeo em tempo real, de alta qualidade. Suas aplicações em medicina são fabulosas. Na telemedicina, por exemplo, uma radiografia do tórax digitalizado que ocupa 96 megabits e leva 56 minutos para transmitir por um modem comum,.numa conexão tipo T1 (1,536 Mbps) leva 64 segundos. Nas novas redes de alta velocidade, leva apenas 0.02 segundos !

Quem já teve a oportunidade de assistir a um filme de vídeo utilizando a banda larga fica maravilhado. Na UNICAMP estamos com conexões de 155 megabits por segundo daqui até os Estados Unidos (a chamada Internet 2). Essa velocidade é simplesmente 3 mil vezes maior do que a de um modem comum. Fazendo um teste com uma aula disponível no site de saúde da Universidade Stanford (localizada perto de São Francisco, na Califórnia), pude assistir ao vídeo de uma aula, de uma hora de duração, em tela cheia, com 15 quadros por segundo e som monofônico, como se meu micro fosse uma tela de tevê. É uma experiência fantástica.

Rádio e TV na Internet

A tecnologia por trás disso é realmente revolucionária, e recebe nomes ainda pouco conhecidos da comunidade de usuários não especialistas, tais como: streaming audio e video, tecnologia push, multicasting, mbone, pointcasting, e outras "sopas de letrinhas" do gênero.

Peguem, por exemplo, o "streaming audio". Antes de sua existência, a pessoa que quisesse ouvir um trecho de áudio (uma entrevista, uma música) pela Internet, tinha que esperar o seu programa de acesso descarregar o arquivo inteiro de áudio, em um formato em que sua placa de som pudesse entender (AVI, MPEG, etc.), e só então ouví-la através do altofalante do micro. Dependendo do tamanho do arquivo, isso pode demorar muito, o que, convenhamos, perturba a paciência de qualquer um, principalmente considerando-se a velocidade baixa de transmissão da Internet nos horários de pico.

O "streaming audio" (traduzido literalmente, corrente de áudio) é uma invenção genial, que resolve em parte esse problema. Como ouvir um trecho de música já é uma coisa sequencial, porque esperar para que chegue todo o arquivo ? Usando alguns truques de sincronização, compactação e descompactação do áudio digital, programas como o RealAudio permite que o som já seja tocado pelo computador à medida que ele vai chegando. Isso permitiu aumentar enormemente, na prática, a capacidade de transmissão da Internet para arquivos muito grandes de áudio e de vídeo (a mesma empresa que desenvolveu o RealAudio, o padrão mais conhecido, também acaba de lançar o RealVideo, baseado nos mesmos princípios).

Desse modo, com o aumento da capacidade dos canais da Internet, podemos prever que a transmissão de programas de áudio, vídeo e áudio/vídeo acoplados serão uma coisa corriqueira na Internet em muito pouco tempo (para quem tem conexões de boa velocidade, já existem dezenas de emissoras de rádio e TV que estão transmitindo programas em tempo real). Já existem milhares de canais transmitindo informação de tudo é quanto tipo, algumas gratuitas, outras pagas.

A TV Interativa

Quais são as vantagens da Internet como meio de transmissão? A mais evidente é a possibilidade das transmissões serem vendidas, como na DirectTV ou na TV a cabo. Outra é a possibilidade de diversificar enormemente, e subespecializar a níveis absurdos a informação transmitida, pois o custo é o mesmo. Assim, existirão canais de áudio e vídeo sobre tudo o que se imaginar, exatamente como acontece hoje com as boas e velhas listas de discussão.

A TV interativa é outra tecnologia que poderá ser a próxima revolução, principalmente se for acoplada à Internet e à WWW. É a possibilidade de dar a TV convencional a capacidade de se comunicar nas duas direções, ou seja, não apenas de forma passiva, como é hoje. do gerador de programas ao consumidor, mas também no sentido oposto, do consumidor ao gerador de programas.

O conceito de TV interativa, em si, é extremamente fascinante. No entanto, seu sucesso dependerá de muitos fatores, entre os quais três são fundamentais, em minha opinião. Um dos fatores mais importantes será a possibilidade de acoplá-la de forma transparente à WWW. O motivo é que a Internet representa um repositório gigantesco de informação de todo tipo, já disponível, e em contínuo crescimento. Nenhum serviço comercial conseguirá competir com isso, portanto a idéia é fazer uma simbiose, e não tentar reinventar a roda, fazendo um sistema em paralelo.

Aplicações em Medicina

A Internet em banda larga tem um enorme potencial para aplicações médicas, principalmente na área educacional. Congressos virtuais, aulas de vídeo e áudio a distância, interação bidirecional em tempo real entre professores e alunos, e a montagem de gigantescas videotecas on-line serão cada vez mais comuns, e o médico não precisará mais sair de casa, muitas vezes, para participar de eventos educacionais em outras cidades ou países. Isso beneficiará a todos, mas especialmente os médicos de cidades pequenas e distantes, onde o acesso à recursos de informação é precário ou não existente. A banda larga vai habilitar verdadeiras universidades virtuais na área de saúde e em outras áreas, com centenas de milhares de cursos sobre tudo o que você conseguir imaginar.

Mas as aplicações médicas não se restringem à educação. Elas também podem se dar na área assistencial. Uma das aplicações mais interessantes permitirá a conexão dos hospitais às casas dos pacientes e aos consultórios dos médicos. No último congresso Telmed'99, sobre telemedicina, realizado em novembro de 1999, em São Paulo, o Dr. Flávio Murachovski, superintendente de informática do Hospital Israelita "Albert Einstein", de São Paulo, realizou uma demonstração em que ele conseguiu conversar com um paciente seu, internado em um apartamento do Hospital, usando para isso a TV normal ali colocada, ligada à rede de TV a cabo da TVA. Uma pequena câmara de vídeo, colocada sobre o aparelho de TV, permitia ao Dr. Murachovski observar visualmente o paciente.

Aplicações como essa somente são limitadas pela imaginação. Certamente veremos muitas delas surgir nos próximos anos.

Endereços na Internet


Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, SP. É também editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com

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Publicação na Web: 2/6/2001

URL: http://www.sabbatini.com/renato/papers/checkup-16.html