Informática Médica |
Revista Check-Up
Veja também: Índice de Artigos de Informática Médica de Renato
M.E. Sabbatini
Doutor(a), você já fez alguma receita de informação para o paciente? Não sabe o que é isso?
Imagine o seguinte: depois de examinar um paciente, e fazer as costumeiras requisições de exames complementares e receita de medicamentos, o médico pega o bloquinho do receituário e faz uma nova prescrição para o paciente: indica alguns sites de informações para leigos na Internet, para que ele possa ler mais e entender melhor o seu problema de saúde, como será tratado, quais são os fatores relacionados à cura, etc. O paciente, de posso da "prescrição de informação" vai ter que "aviá-la", ou seja, entrar na Internet quando chegar em casa, cumprir o que foi pedido pelo médico, e, no retorno, prestar contas do que fez, o resultado que obteve e tirar suas dúvidas com o doutor.
Revolucionário demais? Não é. Inúmeros estudos já mostraram que a educação do paciente é um fator fundamental para o sucesso do tratamento, a aderência às recomendações médicas, e muito mais. Informar o paciente sobre os seus problemas, e principalmente sobre a prevenção de novos problemas, é tão importante o próprio tratamento médico. Boa informação é requisito essencial para se ter boa saúde.
Existe comprovadamente uma relação direta entre nível educacional e o status de saúde de uma população. Por exemplo, a incidência de complicações na gravidez, parto e pós-parto é mais do que o triplo nas mulheres com até o curso primário do que nas mulheres com curso universitário. Esse exemplo na área de saúde materna se multiplica por centenas de outras. O resultado é uma equação nefasta: ignorância é igual a doença, conhecida por médicos, sanitaristas e governantes há muito, muito tempo. Mas, se essa relação é tão conhecida, porque não se faz mais para informar e educar a população a respeito de temas de saúde e medicina? Infelizmente, muitos médicos não fazem este papel ou não têm tempo ou recursos para educar seus pacientes e promover a saúde através da informação.
As coisas estão mudando de forma revolucionária, entretanto, com aa Internet. Nos EUA, cerca de 60% dos usuários acessam a rede para procurar regularmente informações sobre saúde. Aliás, a Internet tem muitas vantagens em relação aos outros meios de comunicação. Uma TV ou rádio oferecem (quando oferecem) programas em horas e datas determinadas, e o usuário não pode selecionar o tema. Na Internet, a informação é abundantíssima, e pode ser acessada por demanda. Entretanto, ela tem qualidade extremamente variável. Existem coisas ótimas, de alta qualidade científica para leigos, como o Medline Plus, do NIH, até os "lixos" mais aterradores, com fraudes, informações incorretas, etc. O pior é que o leigo, por ser leigo, não sabe discriminar. Este é o motivo do surgimento de um poderoso movimento nos EUA e Europa, denominado de "prescrição de Internet". Quem sabe melhor sobre qual é a informação mais correta para o seu paciente? É o próprio médico. Da mesma forma que ele sabe selecionar o melhor medicamento entre os vários disponíveis, ele deveria exercer o mesmo papel com relação à informação médica para seu paciente. O problema é se o médico sabe fazer isso. Ele precisa estar atualizado com relação aos melhors sites, a informação mais confiável, etc.
A educação formal proporciona várias oportunidades de aprendizado sobre o corpo, sua anatomia e fisiologia, as doenças e sua prevenção, iniciando-se já no ensino fundamental. Mas é o aprendizado informal, através de jornais, revistas, rádio, TV e Internet, que fornece a maior parte das informações que as pessoas recebem sobre temas de saúde, em complementação ao pouco que é passado na educação formal. Essa informação é fundamental, pois torna possível a assim chamada "decisão bem-informada", ou "consentimento bem-informado", tais como saber quando procurar um profissional de saúde, decidir vacinar os filhos, seguir hábitos saudáveis e abandonar hábitos deletérios para saúde (como parar de fumar), concordar com um tratamento médico prescrito, obedecer rigorosamente uma receita médica, etc.
Apesar disso tudo, o conhecimento dos leigos sobre problemas de saúde é ainda muito baixo. São espantosos os mitos, os preconceitos e o nível de ignorância sobre as coisas mais elementares do funcionamento do corpo humano na saúde e na doença, até mesmo em pessoas de suposto nível superior. O motivo principal é que até recentemente o acesso do público em geral a essas informações, principalmente em nível de consulta (resposta a perguntas), era muito difícil.
A Internet chegou para revolucionar profundamente esse quadro, por três motivos: primeiro, a informação disponível é simplesmente gigantesca. Existem mais de 25 mil sites médicos e de saúde no mundo, o que eqüivale a uma biblioteca de 400 ou 500 mil páginas. Segundo, achar informação sobre qualquer coisa na Internet é muito fácil e rápido, graças aos catálogos on-line e os famosos "mecanismos de busca", que permitem localizar documentos relevantes em questão de segundos, apenas digitando-se algumas palavras que o descrevam de forma até coloquial (por exemplo, "novos tratamentos do câncer de mama"). Este recurso funciona espetacularmente bem na busca de doenças raras, que geralmente são pouco conhecidas até pelos próprios. Anteriormente, os meios tradicionais para achar informação sobre coisas como essas estava totalmente fora do alcance do paciente médio. Hoje, qualquer um é capaz de localizá-la em segundos. E, finalmente, é quase que universalmente gratuito, o que vai contra o modelo tradicional de comercialização do conhecimento e abre um fabuloso espaço para que as pessoas carentes de recursos financeiros possam aprender sem gastar nada.
Outro grande diferencial da Internet é a sua interatividade, ou seja, as pessoas podem dialogar através desse meio, como o fazem através do telefone, mas com várias vantagens adicionais. Nesse ponto, a Internet torna-se um recurso fantástico, imbatível. Existem vários serviços on-line que respondem a questões de pacientes pela Internet. O mais antigo, em funcionamento desde 1996, é operado pelo Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, através do Hospital Virtual Brasileiro (http://www.hospvirt.org.br) e das várias revistas eletrônicas para leigos que fazem parte dele, como Saúde & Vida On-Line, Cérebro & Mente e NutriWeb São centenas de emails por semana, vindos de todos os estados brasileiros, e de muitos países. Um corpo de médicos e outros profissionais de saúde responde gratuitamente algumas das perguntas enviadas, e as melhores respostas são colocadas na Internet, também.
Não há dúvida, portanto, que a Internet terá cada vez mais um impacto grande nas práticas da saúde. E, mais uma vez, veremos que é verdadeira a equação informação = saúde. O papel do médico, através da "prescrição de Internet", será fundamental.
Endereços na Internet
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Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e fundador e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em
Campinas, SP. É também editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com
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