Informática Médica |
Revista Check-Up
Veja também: Índice de Artigos de Informática Médica de Renato
M.E. Sabbatini
Periodicamente, a qualidade do ensino médico é colocada como a responsável direta ou indireta por muitos dos problemas que abalam a credibilidade e o exercício da profissão no Brasil.
Por exemplo, ultimamente tem sido muito questionada a criação indiscriminada de novas faculdades de medicina, que existem em número muito acima do ideal em várias cidades brasileiras. Além disso, notícias constantes na imprensa sobre erros médicos e processos de pacientes contra médicos colocam também em evidência a qualidade do ensino médico que esses profissionais supostamente receberam.
Sem dúvida, isso tem levado a uma crescente contestação do saber médico e a uma perda de status do profissional na sociedade. As conseqüências já são bem conhecidas: salários aviltados, excesso de médicos nas grandes cidades; desvalorização da profissão. A sociedade está pressionando para um rigor maior na concessão de credenciamento profissional, e está sendo necessário um posicionamento mais rigoroso das sociedades e conselhos profissionais a esse respeito.
De fato, há problemas, e muitos deles são causados por uma estrutura obsoleta de ensino. Apesar da enorme carga didática dos cursos médicos (o MEC prescreve cerca de 7.000 horas de cursos médicos, mas a maioria desses cursos conta com mais de 10.000 horas de ensino), os médicos estão se formando com um conhecimento cada vez mais superficial. A maioria dos médicos recém-formados se declara insegura com relação ao grau de conhecimento necessário para o exercício da profissão. Em muitos cursos, o que se constata é que não sobra tempo para formação dos alunos, excessivamente concentrada em matérias obrigatórias, com poucas oportunidades para participação em matérias eletivas ou extracurriculares. As bibliotecas são deficientes e mal utilizadas, a metodologia de ensino muitas vezes é obsoleta e ineficiente, e usa-se pouco tecnologias de informação.
Qual deverá ser o perfil do médico do Século XXI, e qual será o papel da Informática na formação deste perfil? Como o conhecimento médico continuará a evoluir cada vez mais rapidamente, o médico não terá tempo para retornar freqüentemente a academia, e precisa se tornar um aprendiz autônomo, para o resto da vida, o que os americanos chamam de “life-long learner”.
Sua competência profissional e conhecimento deverão ser recertificados periodicamente, valorizando-se e incrementando-se a educação continuada. Para verificar se ele continua a aprender, e se esse aprendizado é efetivo, o diploma deixa de ser vitalício, e fica sujeito a revalidação periódica, como já acontece em muitos países. Todo médico americano é obrigado a renovar a cada cinco anos o seu título, através da demonstração formal de que continuou a estudar e se aperfeiçoar, sob pena de perdê-lo). Paises vizinhos, como a Argentina e o Uruguai, já tornaram obrigatória a revalidação do diploma de especialista, e pelo menos uma sociedade médica brasileira, a Sociedade Brasileira de Cardiologia já implementam desde janeiro de 2000 um sistema desse tipo. Com isso, a sociedade recebe um sinal claro de que a classe médica se preocupa com a competência e atualização de seus profissionais.
Portanto, é inescapável a conclusão que os futuros médicos deverão dominar o uso de tecnologias de informação com a finalidade de melhorar o acesso à informação disponível de forma eletrônica. Um bom sinal nesse sentido é que, depois de várias décadas, as novas diretrizes curriculares para o curso médico aprovadas pelo governo exigem, pela primeira vez, que o médico deve saber utilizar os recursos da informática em seu trabalho.
Há boa vontade e consciência dos profissionais de saúde em manterem-se
atualizados com o conhecimento. Entretanto, o acesso tradicional à informação dificulta a
educação continuada. O acesso às bibliotecas médicas é difícil, principalmente
para o médico do interior. Faltam boas bibliotecas, e as que existem têm um acervo depauperado. Demora
muito para conseguir separatas e os livros são muito caros. Enfim, a única solução
para esse problema é o uso mais acentuado de tecnologias de acesso à informação, como
CD-ROMs e a Internet. A virtualização do conhecimento através das redes digitais, elimina
a necessidade do meio físico, permite o acesso instantâneo e simultâneo de qualquer parte do
mundo, e permite a localização através de palavras chave. Esses recursos multiplicaram por
milhares de vezes a oportunidade de acesso à informação independente da localização
geográfica, e com custos reduzidos.
Nossa opinião é que o ensino médico atual é excessivamente
paternalista, com um número muito grande e desnecessário de aulas magistrais, o que o torna muito
dependente de um ensino presencial obrigatório. Para liberar mais espaço curricular para atividades
formativas, uma solução é substituir parte do curso presencial pelo suporte a distância.
Isso torna também o estudante mais independente de calendários e horários, aprendendo segundo
seu próprio ritmo e necessidade. A educação continuada, especialmente, pode ser idealmente
implementada, em muitas áreas, com as ferramentas tecnológicas do ensino a distância: “um casamento
feito no céu”, segundo frase de famoso educador médico dos EUA.
Desde este ponto de vista, então, a Internet representará possivelmente a maior revolução na educação desde a invenção da imprensa por Gutemberg, 600 anos atrás. O acesso via rede oferece muitas vantagens que possibilitam ao médico prático, pela primeira vez, a participar ativamente e adquirir reciclagem profissional de alta qualidade, sem sair do seu consultório, hospital ou residência. Entre as vantagens dos cursos de educação continuada a distância, temos:
A Internet é revolucionária porque permite a transmissão de informação entre dois pontos quaisquer ligados à rede, em ambos os sentidos, com grande velocidade. Assim, podemos usar os recursos da Internet para simular praticamente qualquer situação que ocorra num contexto educacional, como aulas magistrais e palestras, sessões de tira-dúvidas, discussões de casos clínicos, exames orais ou escritos, trabalho em grupo, conversas telefônicas, transmissão de vídeo ou de áudio em tempo real, ou sob demanda, etc. A formação de comunidades virtuais é o resultado direto da facilidade da intercomunicação virtual e onipresente.
Nos últimos anos, diversas iniciativas começaram a explorar o potencial da Internet no ensino médico continuado. Uma das mais ousadas é o projeto Edumed.Net, um consórcio de cerca de 20 universidades, associações e instituições educacionais brasileiras, que estão se organizando para ministrar cursos à distância para o médico brasileiro, baseados em tecnologias da Internet e de videoconferência (veja www.edumed.net, para maiores informações a respeito). O Conselho Federal de Medicina, por sua vez, está operacionalizando uma poderosa rede de videoconferência, espalhada por todo o Brasil, que levará esse conteúdo aos médicos brasileiros que moram nos rincões mais distantes do país.
Não há dúvidas de que o ensino em saúde passa por uma das maiores crises de sua história: uma crise de identidade e de objetivos, mas também uma crise provocada pela avalanche inexorável do progresso científico, que inviabiliza os modelos clássicos de ensino. Entre as inúmeras tentativas de reformar e revolucionar o ensino médico, o uso maciço de tecnologias de informação assume grande preponderância, exigindo formação do estudante quanto ao seu uso efetivo e constante. Entre as novas tecnologias de informação, a Internet e a educação a distância representam essa revolução.
É espantoso que tantas faculdades de medicina brasileiras ainda não tenham descoberto, em larga parte, verdades cristalinas e inevitáveis como as relatadas acima. Elas estão, entre todas as áreas de ensino universitário, como as mais atrasadas em termos do uso de tecnologias da informação.Imaginem, por exemplo, como seria o setor bancário em termos de eficiência, se não fosse total o uso de computadores. A sensação de que a medicina é mais arte do que ciência, mais ciências humanas do que tecnologia, tem exercido consideráveis barreiras à sua modernização. Evidentementemente, o ensino médico não deve perder essas características, mas deve procurar absorver e utilizar eficientemente as novas tecnologias de informação.
Endereços na Internet
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Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e fundador e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em
Campinas, SP. É também editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com
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