Informática Médica

Avaliando a Qualidade dos Sites Médicos

Renato M.E. Sabbatini


Revista Médico Repórter
Veja também: Índice de Artigos de Informática Médica de Renato M.E. Sabbatini


A explosão no número de sites contendo informações e serviços médicos na Internet é uma boa coisa, sem dúvida. Profissionais e pacientes têm muito a lucrar com essa fabulosa mina de informação disponibilizada na Web, e a democratização da informação médica tende a beneficiar toda a sociedade. Mas ela também gera preocupações e cuidados. Afinal, não existe nenhum mecanismo na Internet que permita verificar a qualidade e o embasamento cientifico de tudo o que é publicado. Como resultado, fraudes de toda ordem e erros grosseiros e perigosos estão espalhados por toda a Internet, e se multiplicam com uma velocidade espantosa, lado a lado com sites de altíssima qualidade.

Os órgãos que regulamentam a ética médica, como o Conselho Federal de Medicina, o Ministério da Saúde, a Associação Médica Brasileira, e numerosas outras organizações envolvidas nos aspectos educacionais e profissionais estão preocupados, e já começaram a agir no sentido de tentar regulamentar essa verdadeira selva. Recentemente, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) elaborou um Manual de Ética voltado especificamente para sites de saúde. Este foi o primeiro, e utilissimo, documento oficial que procura tratar de frente os problemas criados pela tecnologia (veja as referências ao final).

Não vai ser fácil. Uma caracteristica fundamental da Internet é que ela foi desenvolvida tecnologicamente pelo meio acadêmico, para servir de meio rápido e desimpedido de comunicação entre pesquisadores. Portanto, a concepção do sistema nunca contemplou em seu início qualquer mecanismo de limitação de publicação, verificação ou atribuição de indicadores de qualidade. Um sistema com essas características já existia há muito tempo, e funciona bem, que é o das publicações científicas impressas, e portanto os pesquisadores que criaram a Internet não viam razão para duplicá-la no mundo eletrônico.
Foi um enorme erro. Quando a Internet foi criada, pouca gente sequer sonhava que ela se transformaria em uma gigantesca rede comercial, com todo tipo de informação e serviço. Outra característica importante da Internet é a facilidade de se publicar informação de forma totalmente distribuída, ou seja, não localizada em um servidor central, mas em milhões de computadores espalhados pelo mundo, e ligados à Internet, essencialmente sem nenhuma espécie de controle sobre o que publicam.

Pode-se argumentar que o mesmo acontece no modelo antigo de publicações impressas. Qualquer um também pode mandar imprimir qualquer coisa, e distribuir para quem quiser, e o mundo está cheio dos mais variados "lixos". Acontece que a Internet permite que isso seja feito com um custo minimo, por qualquer um, e a disponibilização é instantânea e universal, independente da grandeza do investimento feito, graças à existência dos mecanismos de busca, que indexam cada uma das palavras existentes nos mais de um bilhão de documentos disponíveis atualmente (abril de 2001) na Web. Essa tecnologia representa um abismo de diferença em relação ao mundo impresso e é a base da revolução de que estamos falando…
Para agravar o problema, a esmagadora maioria dos usuários, principalmente o público leigo, é incapaz de avaliar a qualidade de um site, e de verificar se a informação transmitida é certa ou errada, cientificamente verdadeira ou fraudulenta. A venda de medicamentos sem receita, a prestação de serviços médicos a distância e as ameaças à confidencialidade dos dados médicos individuais, quando colocados na Internet, são outras preocupações dos profissionais e pesquisadores engajados no tema.

Separando o Joio do Trigo

Afastada a possibilidade de censura prévia ou a posteriori (que parece ser aceita pelos usuários da Internet em campos extremamente restritos, como a pornografia infantil), o controle de qualidade do conteúdo médico na Internet só pode depender de mecanismos voluntários.
Existem dois tipos de abordagem: o primeiro é o uso de selos de qualidade, como o Trust-E. O site observa um decálogo de requisitos éticos e morais, e se os obedece, tem o direito de colocar a imagem do selo, que supostamente, então, promove o site aos olhos do consumidor como sendo confiável e de qualidade. Existem várias iniciativas nesse sentido na área da saúde. O primeiro deles foi o Código de Conduta da Fundação "Health on the Net", localizada na Suiça. Mais recentemente foram propostos outros modelos como o código de ética da Internet Healthcare Coalition (Coalizão de Internet na Saúde), e o projeto MedCERTAIN (veja endereços abaixo).

A segunda abordagem é a filtragem de conteúdo, exemplificada pelos vários softwares existentes para bloquear sites com conteúdo inadequado para crianças (NetNanny, CyberPatrol, etc.). O problema é que o julgamento de qualidade e adequação ainda não pode ser realizado automaticamente por softwares de computador: é necessário o juízo humano. A idéia então é alguma autoridade certificadora atribuir notas aos sites (como as estrelas que se atribuem a hotéis e restaurantes, por exemplo), e o software de acesso ao sites (os "browsers", ou navegadores da Web, como o Netscape e o Internet Explorer) ser capaz de filtrar o conteúdo, deixando passar apenas aqueles acima do nível desejado. O projeto principal que usa essa filosofia é o PICS (Plataform for Internet Content Selection), que foi desenvolvido pelo Consórcio W3, uma organização internacional de fomento à World Wide Web. Outro sistema é o RACi, que especifica filtros para linguagem inapropriada, nudez, sexo e violência. O usuário pode escolher o nível que deseja exibir e os sites contém rótulos internos que definem os niveis RACi que estão presentes no site ou em partes dele.

O Internet Explorer é o software que tem o sistema mais sofisticado ou completo de filtragem de conteúdo (acesse através do menu, ítem Ferramentas/Opções da Internet/Conteúdo). Ele permite selecionar o nível RACi desejado, e escolher qual o sistema de classificação de conteúdo que será usado. Além disso, implementa o PICS.

Atualmente existem estudos para implementar o RACi e o PICS para a área da saúde, mas existem dois grandes problemas: o primeiro é definir qual será a autoridade que decidirá as notas atribuidas para cada site. Nem sempre existe concordância sobre os critérios: por exemplo, uma associação médica na área de urologia pode achar que informações sobre homeopatia são aceitáveis, mas sobre outras formas de medicina alternativa, não. O importante é que o usuário reconheça a autoridade e até a filosofia ou postura de um órgão representativo da comunidade a que pertence, pois tudo isso é muito relativo, e aceite ter o conteúdo avaliado pela mesma.

E aqui temos o segundo problema, que é o maior de todos, e que têm efetivamente impedido que os sistemas de classificação e filtragem de conteúdo funcionem em larga escala: os usuários precisam ser educados sobre a existência desses sistema, precisam aprender a como usá-los, e ter confiança neles. Isso ainda está em estágio muito primitivo, principalmente no setor saúde, mas qualquer progresso vai depender de um esforço muito grande de conscientização e educação dos usuarios, porque trata-se essencialmente de sistemas voluntários de controle.

 

Endereços na Internet


Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e diretor associado doNúcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, SP. É também editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com

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