A clonagem funciona da seguinte maneira: os cientistas pegam um óvulo de uma mulher doadora, e retiram o seu núcleo através de uma micro-cirurgia. O núcleo contém metade de todo o material genético (DNA), que programa o desenvolvimento posterior do embrião. A outra metade viria do espermatozóide que fecundaria o óvulo. Em seguida, os cientistas inserem um núcleo retirado de uma célula adulta da pessoa que querem clonar. Essa célula é diplóide, ou seja, tem o conjunto completo de cromossomas e genes. Através de um choque elétrico aplicado ao óvulo, os cientistas induzem a sua divisão, dando início à geração do embrião. De modo a ser usada para fins terapêuticos, essa divisão é interrompida artificialmente quando os cientistas conseguem colher as células em que estão interessados, chamadas de células-tronco. Essas são células primitivas dão origem a todas as demais, como células nervosas, células do coração, etc. Os cientistas e médicos esperam um dia poder utilizá-las para regenerar células mortas, no caso de doenças degenerativas nervosas, como Parkinson e Alzheimer, em pessoas que tiveram enfarto do miocárdio, diabetes, doenças do rim, cirrose hepática, etc. O dia em que conseguirmos fazer isso será uma enorme revolução na Medicina. O uso de células-tronco da própria pessoa é fundamental, pois dessa forma os novos tecidos regenerados serão geneticamente dela mesma e portanto nào serão rejeitados pelo sistema imune. A melhor fonte de células-tronco é o tecido embrionário, na fase onde elas são mais abundantes, e pelo fato de que são células ainda indiferenciadas. Daí o interesse na clonagem de células adultas.
O caso todo é um pesadelo ético e moral. Muitas religiões e sistemas morais consideram que o embrião, mesmo nos primeiros estágios de formação, têm o potencial para se tornar um ser humano vivo e completo. Portanto, induzir a formação de um embrião, para depois matá-lo, seria um atentado contra a vida, e um verdadeiro assassinato. A religião católica é particularmente condenatória de qualquer procedimento cientifico nessa área, mesmo que seja para uma finalidade meritória (salvar vidas de adultos e crianças, curar doenças).
A maioria dos cientistas, entretanto, acha que há um exagero muito grande nessa postura pró-vida. Bilhões de vezes por dia, óvulos são fecundados e dão início à reprodução celular nos úteros de incontáveis mulheres fecundadas, e perecem antes mesmo que sejam percebidos. Além disso, milhões de embriões congelados jazem atualmente nos "freezers" de clínicas que realizam fertilização assistida ("bebês de proveta"), sem nenhuma possibilidade que um dia venham a se tornar seres humanos. Do ponto de vista estritamente científico, um embrião não pode ser considerado um ser vivo até o estágio em que as células-tronco podem ser colhidas, pois não passa de um aglomerado minúsculo de células que ainda não formaram órgãos, cérebro, coração, etc. "Potencial de se tornar um ser humano" é um conceito muito vago e incerto. Se esse conceito for radicalizado, então estamos cometendo "assassinatos" a cada ovulação em que não ocorre fecundação, e a cada ejaculação em que bilhões de espermatozóides morrem. Eles também têm o tal de "potencial".
Os benefícios médicos trazidos pelo domínio da técnica de clonagem terapêutica serão revolucionários. Pessoas paraplégicas, com lesões na medula ou no cérebro, ou vítimas de derrames cerebrais, poderão voltar a serem normais. Essa promessa, por si só, deve servir como poderoso incentivo científico e comercial para a pesquisa com células-tronco. Tanto é assim, que até grupos politicamente radicais dos EUA começavam a se posicionar a favor das pesquisas com células-tronco humanas, que continuam polêmicas e barradas em muitos estados daquele país, que é o lider científico mundial na área biomédica, e que tem mais dinheiro para investir em pesquisas.
Agora, com esse anuncio prematuro e malfeito da ACP, todo o progresso conseguido deve voltar para trás. Os especialistas em bioética estão especialmente perturbados com o evento, pois os grupos pró-vida de todo o mundo deverão começar uma campanha contra o uso da clonagem para fins terapêuticos, atingindo de raspão também todas as pesquisas sobre células-tronco. Isso poderá retardar muito o desenvolvimento cientifico, pois poderão até ser passadas leis proibindo pesquisas desse tipo, sob pressão popular.
Minha opinião é que tudo isso é muito novo do ponto de vista ético, e que é preciso ter coragem para re-examinar e modificar nossas crenças e certezas a respeito dos primórdios do desenvolvimento da vida, e quais são os riscos e beneficios para a humanidade destas novas técnicas que a medicina está desenvolvendo para nosso próprio uso terapêutico. Eventualmente será impossível sustar o progresso científico por muito tempo com base em considerações puramente religiosas ou morais. É o que a história tem mostrado.