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Aprendendo a distância
 

Renato Sabbatini

Esta semana ocorreram dois eventos em Campinas que indicam que provavelmente nossa cidade se transformará em um dos grandes pólos de difusão das tecnologias de ensino com o maior potencial revolucionário deste final de século. A PUC de Campinas e a UNICAMP realizaram seminários sobre educação a distância que despertaram grande interesse por parte da comunidade de professores e estudantes e nos quais foram apresentadas as estratégias educacionais e institucionais que essas duas grandes universidades pretendem seguir quanto ao papel da EAD.

O que é educação a distância? É uma forma de aprender e ensinar muito antiga: os famosos cursos por correspondência existem desde o século passado. O correio, o telefone, o telégrafo, o rádio e a TV, ou seja, os meios de comunicação a distância entre pessoas foram sempre muito usados para eliminar a necessidade de proximidade física entre alunos e professores. Existem até vários colégios e universidades que operam inteiramente a distância. Uma das mais fortes é a Open University (universidade aberta), que foi fundada na Inglaterra em 1971, e que tem 160.000 alunos nas mais variadas áreas do ensino. A OU combina tecnologias relativamente tradicionais (a grande maioria dos seus cursos é dada inteiramente pelo velho e bom correio) com metodologias mais modernas, como rádio, TV e Internet. Uma parte das atividades é presencial, como é o caso de algumas provas e exames, que precisam ser feitos em pessoa (por motivos óbvios). Por isso, a OU montou uma rede de filiais e representantes em 9 paises, e tem feito muitos convênios com universidades de outros paises (as Universidades
Federais do Ceará e do Pará recentemente tiveram cursos de graduação a distância em matemática, aprovados pelo MEC, que utilizam o material e a tecnologia de excelente qualidade desenvolvidos pela OU). Aliás, não entendo porque o Brasil não tem até hoje uma universidade do porte e da qualidade da OU. O saudoso Darci Ribeiro, que foi ministro da Educação e criador da Universidade de Brasília (UNB), chegou a fazer acordos com a OU e a Editora da UNB traduziu muito material didático, mas a coisa não foi adiante.

Agora parece que o Brasil está deslanchando em EAD, basicamente por dois motivos: primeiro, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBE), que é a regulamentação maior do setor educacional público e privado no País, deu um espaço importante para a EAD, colocando-a em pé de igualdade com o ensino presencial, em termos de certificação. Segundo, o desenvolvimento recorde da Internet colocou uma massa grande de usuários no mercado de EAD, que cada vez mais se baseia em tecnologias de rede, como email, Web, etc., para a implementação de cursos à distância com alta interatividade e riqueza de informações. Para isso, as universidades públicas e privadas tem se equipado aceleradamente, treinando professores, comprando computadores e redes, e se conectando à Internet.

Como estamos muito no início dessa revolução, no entanto, há ainda poucas iniciativas sólidas e concretas, baseadas em estratégias integradas das instituições. Algumas universidades, como a Universidade Federal de Santa Catarina, a Universidade Nacional de Brasília, a PUC do Rio de Janeiro e a Universidade Morumbi/Anhembi foram pioneiras e tem programas muito fortes. A UFSC é uma das mais bem posicionadas: tendo iniciado o seu programa de Ead em 1995, hoje tem muitos cursos de extensão e 17 cursos de mestrado, com mais de 500 alunos. Estes geralmente são fechados, muito próximos a cursos convencionais, e oferecidos via videoconferência através de convênios com outras universidades. Mais de 150.000 alunos já participaram dessas atividades e espera-se concluir 150 teses de mestrado por esse sistema até o final do ano, com baixa taxa de evasão. A PUC de Campinas já tem curso de mestrado a distância ou parcialmente presencial. Existem já há bastante tempo uma Associação Brasileira de Tecnologia Educacional (que tem uma parte forte em EAD) e a Associação Brasileira de Educação à Distância (ABED), que realizou em agosto um congresso de grande sucesso no Rio de Janeiro.

As universidades públicas paulistas estão relativamente atrasadas no processo de implantação da EAD. A USP e a UNICAMP estão fazendo projetos estratégicos importantes nessa área. A USP, através da Fundação C.A Vanzolini, ligada ao Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica, há vários anos tem oferecido dezenas de cursos a distância, utilizando videoconferência, e agora, Internet, em várias áreas, especialmente em Gestão de Qualidade (em conjunto com a Universidade da Califórnia em San Diego), educação continuada em engenharia (em várias áreas, no projeto Engenheiro 2001), e ensino de inglês. A USP conta também com um núcleo especializado no desenvolvimento de novas tecnologias em educação, a Escola do Futuro, criada e dirigida pelo Prof. Fredric Litto, que tem tido importante atuação na área. A Universidade Federal de São Paulo, através da Escola Paulista de Medicina tem uma Universidade Virtual que ministra já há dois anos cursos inteiramente a distância em diversas áreas da saúde (nutrição, dermatologia, oncologia, etc.).

Quanto a UNICAMP, deu-se um grande passo a diante, quando o Reitor, Prof. Hermano Tavares, constituiu este ano um grupo de trabalho em EAD, que levantou a situação na Universidade e elaborou um relatório com várias propostas estratégicas e táticas com a finalidade de implementar um programa ambicioso e abrangente, que transforme a UNICAMP em uma universidade de alcance nacional, inicialmente, e depois internacional, com base nas tecnologias da EAD. Este projeto estará sendo oficialmente apresentado hoje, no Centro de Convenções, com participação aberta para todos. Para se ter uma idéia do grande interesse manifestado pela comunidade universitária, um levantamento entre os docentes identificou mais de 100 projetos em andamentos, e cerca de 400 docentes (dos 2.000 existentes na instituição) em atuar na área da EAD. Entre as maiores necessidades dos docentes, como de resto em todas as outras universidades brasileiras, está a formação específica nessa área. Por isso, é tem sido intensa a oferta de cursos de especialização e mestrado para formação de educadores a distância. Estre estes está um curso da UNB, que teve 250 inscritos, e outros na PUC/SP, na UNICAMP e em uma empresa chamada CIANET. Mestrados sobre EAD (muito apropriadamente, dados a distância!) também estão disponíveis em várias universidades do exterior, inclusive a Open University.

Para onde vai a EAD? Muitas instituições de ensino estão vendo isso como um futuro grandemente promissor, inclusive quanto à geração de recursos financeiros. Embora alguns cursos de EAD eventualmente possam ser oferecidos gratuitamente, principalmente no setor social, a experiência mostra que os custos de implantação são altos, e que alguém precisa pagar por eles. Geralmente é o aluno. As Escolas de Extensão, atualmente onipresentes nas universidades, é a "parte paga" de muitas universidades públicas, e tem como alvo principal para seus cursos as empresas e outras instituições de ensino privadas. Elas são, cada vez mais, importante fontes de recursos, atualmente, e deverão se transformar em canais naturais para os cursos de EAD. Nos EUA, muitas universidades que ficam em regiões afastadas e pouco populadas, como em Nevada e Arizona, estão se transformando radicalmente o seu perfil, enfatizando a educação a distância, por motivos óbvios.

Nos paises capitalistas em que deu certo, a EAD é encarada como uma unidade relativamente autônoma dentro da Universidade, com geração de recursos próprios, auto-sustentada, e voltada ao mercado externo (embora possa e deva ser usada para o alunado interno). É um empreendimento caro, com uso de muita tecnologia, demanda por pessoal especializado difícil de achar, e que encontra resistências na estrutura tradicional do ensino, que é voltado muito à classe e às atividades presenciais. Uma das propostas da UNICAMP é justamente constituir um fundo de recursos específico para a EAD dentro da Universidade, ao estilo de outro fundo já existente, o FAEP; assim como um Centro de apoio para facilitar o uso das tecnologias existentes por professores de todas as disciplinas.

Outro obstáculo importante à maior penetração da EAD é o preconceito contra os cursos a distância. Realmente, desde os famigerados cursinhos por correspondência do IUB e do Instituto Monitor, cursos a distância são considerados de baixa qualidade ou simples enganação. Tanto assim que vários Conselhos Regionais, como o de Contabilidade, rejeitam a certificação profissional de pessoas formadas por cursos a distância. Mas essa situação vai mudar, certamente, com a entrada
de universidades respeitadas na área.
 

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Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 1/10/99 .
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